Nosso capítulo se inicia com Ele voltando
do Seu batismo, cheio do Espírito Santo. Mas antes de começar Seu serviço, Ele deve
ser tentado por quarenta dias pelo diabo. O Espírito levou-O para esta prova, e
aqui vemos o contraste glorioso entre o Segundo Homem e o primeiro.
Quando o primeiro homem foi criado,
Deus pronunciou que tudo era muito bom, mas Satanás entrou imediatamente em cena,
tentou o homem e o arruinou. O Segundo Homem apareceu, e a voz do Pai pronunciou
Sua excelência; então novamente Satanás entra em cena com prontidão, mas desta vez
ele encontra o Homem, cheio do Espírito Santo, que é imune a suas artimanhas. Quando
o primeiro homem caiu, ele não conhecia as ânsias da fome, pois habitava no fértil
jardim plantado pela mão do seu Criador. O Segundo Homem vitoriosamente Se manteve,
embora o jardim tivesse se transformado em um deserto e Ele estivesse faminto.
Lucas evidentemente nos relata as tentações
na ordem moral e não histórica. Mateus nos dá a ordem histórica e nos mostra que
o fim da tentação foi quando o Senhor ordenou que Satanás se retirasse, conforme
registrado no versículo 8 de nosso capítulo. A ordem aqui concorda com a análise
que João faz do mundo em 1 João 2. A primeira tentação foi evidentemente projetada
para apelar à concupiscência da carne, a segunda à concupiscência dos olhos e a
terceira à soberba da vida. Mas tais concupiscências ou orgulho não tinham lugar
em nosso Senhor, e as três provas serviram apenas para revelar Sua perfeição em
seus detalhes.
O Senhor Jesus tornou-Se verdadeiramente
um Homem, e em resposta à primeira tentação Ele tomou o lugar apropriado do homem
em total dependência de Deus. Assim como a vida natural do homem depende
de se alimentar do pão, sua vida espiritual depende de se alimentar da Palavra
de Deus e sua obediência a ela. Em resposta à segunda tentação foi vista Sua dedicação
à Deus de todo o Seu coração. Poder e glória e domínio em si mesmos não era nada
para Ele; Ele estava totalmente pronto para a adoração e serviço a Deus. Ele enfrentou
a terceira tentação, na qual Ele foi instigado a colocar a fidelidade de Deus à
prova, como Sua inabalável confiança em Deus. O grande adversário não encontrou
nenhum ponto fraco n’Ele. Ele confiava em Deus sem testá-Lo.
As três características manifestadas
de modo tão proeminente – dependência, devoção, confiança – são aquelas que marcam
o Homem perfeito. Elas são muito distintamente vistas no Salmo 16, que pelo Espírito
de profecia expõe Cristo em Suas perfeições como Homem.
Tendo sido testado por Satanás e triunfado
sobre ele no poder do Espírito Santo, o Senhor Jesus retornou à Galileia para começar
Seu ministério público no poder do mesmo Espírito, e Sua primeira declaração escrita
está na sinagoga de Nazaré, onde Ele havia sido criado. Ele leu as palavras iniciais
de Isaías 61, parando no ponto em que a profecia passa do primeiro advento para
o segundo. “O dia da vingança do nosso Deus”
ainda não tinha chegado, mas parando no ponto em que Ele o fez, onde em nossa versão
apenas aparece uma vírgula (ARA), Ele pôde começar Seu sermão dizendo: “Hoje se cumpriu esta escritura em vossos ouvidos”.
Ela apresentava-O como o Ungido pelo Espírito de Deus, em Quem a plenitude da
graça de Deus devia se fazer conhecida aos homens.
Esta apresentação de Si mesmo parece
ser característica do evangelho de Lucas. Embora Ele fosse Deus na plenitude de
Sua Pessoa, ainda assim Ele vem diante de nós como o Homem dependente, cheio do
Espírito Santo, falando e agindo no poder do Espírito, e derramando graça para os
homens. O que maravilhou os ouvintes em Nazaré foram “as palavras de graça que saíram da Sua boca”. A lei de Moisés tinha
sido constantemente repetida dentro das paredes da sinagoga, mas nunca a graça fora
assim proclamada ali. Mas não era suficiente proclamar a graça em abstrato: Ele
passou a ilustrar a graça para que as pessoas pudessem perceber o que isso envolvia.
Ele citou dois exemplos de suas próprias Escrituras, onde a bondade de Deus havia
sido demonstrada, e em ambos os casos os recebedores da graça eram dos gentios
pecadores. A viúva sidônia estava em uma situação desesperadora – “sem força”. O
soldado sírio estava entre os “inimigos” de Deus e do Seu povo. Assim, os dois casos
ilustram muito bem Romanos 5:6-10, pois a mulher foi salva e sustentada, e o homem
foi purificado e reconciliado.
Esta bela apresentação da graça em sua
obra prática não adequou o povo de Nazaré. Em resumo, palavras graciosas eram todas
muito agradáveis, mas quando perceberam que a graça não pressupõe nada além do demérito
naqueles que a recebem, eles se levantam em orgulhosa rebelião e grande fúria, e
teriam matado Jesus se Ele não tivesse escapado pelo meio deles. As boas coisas
que a graça traz eram suficientemente aceitáveis, mas eles não as queriam no terreno
da graça, uma vez que isso supunha que eles não eram melhores que os gentios pecadores.
A mente moderna provavelmente aprovaria a graça sendo oferecida na favela, enquanto
a consideraria uma afronta se pregada na sinagoga. A mente judaica nem sequer ouviria
falar da graça ser exercida na favela!
Assim, de uma maneira muito definida,
houve uma rejeição da graça logo na primeira vez em que foi proclamada, e isto não
era em Jerusalém entre os escribas e fariseus, mas nas partes mais humildes da Galileia,
no próprio lugar onde Ele havia sido criado. Sua familiaridade com Ele agia como
um véu sobre seus corações.
À luz de tudo isso, a seção de conclusão
do capítulo é muito bonita. Quando os homens oferecem uma gentileza no espírito
da graça, e isso é rejeitado com contundência e violência, eles são ofendidos, e
se afastam com desgosto. Não foi assim com Jesus. Se fosse assim, onde deveríamos
estar? Ele retirou-Se de Nazaré, mas passou para Cafarnaum e ali pregou. Seu ensinamento
os surpreendeu, sem dúvida por causa da nova nota de graça que o caracterizou, e
também por causa da autoridade divina com a qual estava revestida.
Na sinagoga Ele entrou em conflito com
os poderes das trevas. A sinagoga era algo morto, por isso homens possuídos por
demônios poderiam estar presentes sem serem detectados. Mas assim que o Senhor apareceu
o demônio se revelou, e também mostrou que ele sabia Quem Ele era, mesmo que o
povo estivesse em ignorância. Jesus era realmente o Santo de Deus, mas em vez de
aceitar o testemunho do demônio, Ele o repreendeu e expulsou-o de sua vítima. Assim
Ele provou o poder da Sua Palavra.
No versículo 36 temos tanto autoridade
como poder, a última palavra que significa força dinâmica. No versículo 32 a palavra
é realmente autoridade. Então, temos a graça da Sua Palavra no versículo
22, seguida da autoridade da Sua Palavra e do poder da Sua Palavra.
Não é de admirar que o povo estivesse dizendo: “Que Palavra é essa!” E nós, que recebemos neste dia o evangelho da
graça de Deus, temos igual motivo para tal exclamação. Que maravilhas da regeneração
espiritual estão sendo produzidas pelo evangelho hoje!
Da sinagoga Ele passou para a casa de
Simão onde a doença estava dominando, mas que desapareceu diante de Sua Palavra.
E então, ao anoitecer, veio aquela maravilhosa manifestação do poder de Deus na
plenitude da graça. Todos os tipos de doenças e enfermidades foram trazidos à Sua
presença e houve libertação para todos. Ele “punha as mãos sobre cada um deles e os curava”. Assim, Ele exemplificou
a graça de Deus, pois fluir para todos é exatamente o caráter da graça, independentemente
do mérito ou demérito. Da parte de Deus, é oferecida livremente e para todos. O
versículo 40 inspirou o hino:
Quando se põe o Sol
ao entardecer,
e certamente todos
nos regozijamos em cantar,
Teu toque ainda tem
seu antigo poder,
Nenhuma palavra de
Ti pode sem fruto ficar.
Mas, por mais belo que esse hino
seja, a realidade mencionada no versículo 40 é muito mais adorável. Tal é a graça
do nosso Deus.
E a graça que foi exibida naquela noite
memorável não foi esgotada pela sua manifestação. Ele saiu para outro lugar a pregar
o reino de Deus – um reino a ser estabelecido não com base nas obras da lei, mas
sobre a base que seria colocada pela graça como fruto de Sua própria obra.