Em vez de ser provocado pela veemente
oposição dos escribas e fariseus, o Senhor aproveitou a ocasião, instruindo calmamente
Seus discípulos na presença da enorme multidão, de modo que a controvérsia desvaneceu
imediatamente. Ele tinha acabado de direcionar o holofote da verdade sobre os líderes
religiosos: Ele agora virou a mesma luz sobre os discípulos e seus caminhos.
Em primeiro lugar, Ele os advertiu contra
a hipocrisia que Ele acabara de desmascarar nos fariseus. É de fato um “fermento”; isto é, um tipo de mal que,
se não julgado, fermenta e cresce. O hipócrita visa em primeiro lugar ter as coisas
“encobertas” dos olhos de Deus e depois
dos olhos de seus semelhantes. Tudo, porém, está vindo para a luz, de modo que,
a longo prazo, a hipocrisia é fútil. Ainda assim é absolutamente fatal para a alma
ter que se ver com Deus de alguma forma, enquanto ela existir. Portanto, do ponto
de vista moral, a advertência contra ela deve vir em primeiro lugar. Para o discípulo
de Cristo, nada deve estar encoberto dos olhos do Senhor.
Em segundo lugar Ele os advertiu contra
a se temer o homem – versículos 4-11. Ele não escondeu deles o fato de que iriam
encontrar rejeição e perseguição. Se eles estivessem livres da hipocrisia em um
mundo que é tão amplamente dominado por ela, eles não poderiam esperar ser populares.
Mas, por outro lado, se eles não tivessem nada encoberto aos olhos de Deus, seriam
capazes de se levantar sem covardia na presença de homens perseguidores.
Aqueles que temem muito a Deus, temem pouco os homens.
O Senhor não apenas exortou Seus discípulos
a não temerem os homens, mas também lhes revelou coisas que se provariam ser
grandes encorajamentos para esse fim. No versículo 4, Ele Se dirigiu a eles como
“amigos Meus”. Eles sabiam que eram Seus
discípulos, Seus servos, mas essa palavra deve ter colocado as coisas em uma nova
e muito animadora luz. Na força de Sua amizade, eles e nós podemos enfrentar a inimizade
do mundo. Então, nos versículos 6 e 7, Ele colocou diante deles, de uma forma muito
comovedora, o cuidado de Deus em favor deles. Tão íntimo é que os próprios cabelos
da nossa cabeça não estão apenas contados, mas numerados (JND).
No versículo 12, Ele garante que, em
seus momentos de emergência, eles poderiam contar com o ensino especial do Espírito
Santo. Eles não teriam necessidade de elaborar sua defesa quando acusados perante
as autoridades. O ódio e a oposição dos homens lançariam uma mentira para responsabilizá-los:
mas que dons maravilhosos são estes – a amizade
de Cristo, o cuidado de Deus, o ensino do Espírito Santo. E, além
disso, a sua confissão de Cristo diante dos homens hostis seria recompensada por
Sua confissão a respeito deles diante dos santos anjos.
Nesse ponto de Seu discurso, o Senhor
foi interrompido por um homem que desejava que Ele interferisse em seu favor numa
questão de dinheiro. Tivesse Ele sido o reformador social ou socialista, que alguns
imaginam que Ele fosse, aqui estava a oportunidade para Ele ter estabelecido as
regras corretas para a divisão da propriedade. Ele não fez nada disso: entretanto,
Ele desmascarou a avareza [cobiça – AIBB] que levou o homem a fazer tal pedido,
e falou a conhecida parábola concernente ao rico tolo. Reconstruir seus celeiros,
de modo a conservar todos os frutos dados a ele pela generosidade de Deus, era apenas
uma prudência normal. Armazenas tudo para si mesmo e negligenciar todas as
riquezas divinas para a alma era a essência de sua loucura.
O rico tolo estava cheio de cobiça,
pois considerava todos os seus bens como garantia do cumprimento de seu programa
– “descansa, come, bebe e folga [alegra-te – JND]”. Este é precisamente o programa do homem comum do mundo de hoje –
muito lazer, muito para comer e beber, muita diversão e entretenimento.
Ora, o crente é “rico para com Deus”, como o versículo 21
deixa bem claro. Então, quando o Senhor retomou Seu discurso aos Seus discípulos,
no versículo 22, Ele começou a aliviar suas mentes de todos aqueles cuidados que
são tão naturais para nós. Já que somos enriquecidos com o reino, cobiça alguma deve nos caracterizar;
e cuidado algum deve nos
sobrecarregar, uma vez que temos o todo-suficiente cuidado de Deus
em nosso favor. Suas palavras foram: “vosso
Pai sabe”. Assim, Ele ensinou Seus discípulos a conhecer a Deus como Alguém
que Se interessou paternalmente por eles e em todas as suas necessidades relacionadas
a esta vida.
Mas isso Ele fez, a fim de que eles
pudessem ser libertados em espírito para buscar coisas que no momento estão fora
desta vida. Não há contradição entre os versículos 31 e 32. O reino nos é dado e
ainda assim devemos buscá-lo. Devemos procurá-lo porque ainda não está em manifestação;
consequentemente não é encontrado nas coisas desta vida, mas reside nas realidades
espirituais e morais conectadas com as almas daqueles que são trazidos sob a autoridade
divina. No entanto, o reino deve ser uma realidade manifesta neste mundo, e o
título de propriedade dele já é uma certeza para o povo de Deus. Como nossos pensamentos
e nossas vidas hoje estão cheios das coisas e do serviço de Deus, buscamos o reino
de Deus.
Por isso, a vida dos discípulos devia
seguir linhas diametralmente opostas às dos devotos deste mundo. Em vez de acumular
bens para um tempo prazeroso de descanso, o discípulo deve ser aquele que é um doador,
aquele que deposita um tesouro no céu, aquele cujos lombos são cingidos para atividade
e serviço, e cuja luz de testemunho está brilhando. Ele deve ser, de fato, como
um homem esperando pelo retorno de seu senhor. Já notamos as coisas que não
devem nos caracterizar: aqui temos as coisas que devem nos caracterizar.
Como servos, devemos estar esperando
por nosso Senhor, e não apenas esperando, mas “vigiando” (v. 37), “apercebidos
[prontos – JND]” (v. 40) e “fazendo” (v. 43) – fazendo a tarefa que nos foi atribuída. O tempo
de recompensa será quando nosso Senhor retornar. Então, o próprio Senhor Se comprometerá
a ministrar para a plena bênção daqueles que vigiaram por Ele. Isso, que encontramos
no versículo 37, indica uma recompensa de um tipo geral. O versículo 44 fala de
uma recompensa de um tipo mais especial a ser dada àqueles marcados pelo serviço
fiel e diligente aos interesses de seu Mestre.
O discurso do Senhor a Seus discípulos
se estende até o final do versículo 53. Alguns pontos destacados são estes:
1) O céu é novamente colocado diante dos discípulos.
Em Lucas 10, como notamos, eles são instruídos de que sua cidadania está nos
céus. Agora eles são ensinados a agir de modo que seu tesouro possa estar no céu
e, consequentemente, o seu coração também. Eles devem viver em princípios completamente
opostos àqueles que governam o rico tolo.
2) O Senhor assume a Sua rejeição completamente e fala disso ainda mais claramente até o fim – versículos
49-53. “Fogo” é simbólico daquilo que
investiga e julga, e já estava aceso por Sua rejeição. Por Seu “batismo” Ele indicou Sua morte e, até que
isso fosse realizado, Ele foi “constrangido”
(JND) ou “angustiado” (ARA), isto é,
estreitado ou reprimido. Somente quando a expiação foi realizada, o amor e a justiça
fluíram em pleno poder. Mas então, o fogo sendo aceso e o batismo realizado, tudo
seria levado a uma conclusão, e a linha de demarcação claramente traçada. Ele Se
tornaria a prova e a divisão aconteceria mesmo nos círculos mais íntimos. Ao
antecipar tudo isso, o Senhor assume Sua ausência, e consequentemente fala
livremente de Sua segunda vinda.
3) O Senhor não deu uma resposta direta à pergunta de Pedro (v. 41).
Ele não limitou definitivamente Suas observações ao pequeno círculo de Seus discípulos,
nem ampliou o círculo para abraçar os milhares de Israel que estavam em volta. Em
vez disso, Ele colocou todo o peso de Suas palavras sobre a responsabilidade de
Seus ouvintes. Se os homens estivessem no lugar de Seus servos – não importa como
chegassem lá – eles seriam recompensados de acordo com suas obras, se eles provassem ser fiéis ou maus.
O servo mau não deseja a presença do Senhor e, consequentemente, em sua mente, ele
adia a Sua vinda. Sendo assim incorreto em relação ao Mestre, ele se torna incorreto
em suas relações com seus companheiros de serviço e é incorreto em sua vida pessoal.
Quando o Senhor vier, sua porção será com os incrédulos, na medida em que ele provou
ser apenas um incrédulo. Os versículos 47 e 48 mostram claramente que a pena,
bem como a recompensa, serão graduadas com equidade, de acordo com o grau de responsabilidade.
4) As marcas do verdadeiro servo são que ele se dedica aos interesses
de seu Mestre enquanto Ele está ausente, e espera por sua recompensa até que Ele
retorne. Três vezes neste discurso o Senhor Se refere a comer e beber, como uma
figura de ter um bom tempo. O mundano tem seu bom tempo de alegria (v. 19), que
termina em morte. O falso servo tem seu bom tempo quando começa “a comer, a beber e a embriagar-se” (v.
45), que termina em desastre com a vinda de seu Mestre. O falso servo não estava
apenas alegre; ele estava bêbado o que é pior. Na verdade, quando homens
não convertidos tomam o lugar de serem servos de Deus, eles parecem cair mais facilmente
sob a entorpecente influência de noções religiosas e filosóficas sedutoras do que
qualquer outra pessoa. O verdadeiro servo espera por seu Mestre, O qual o assentará
para comer e beber e ser o Servo de sua alegria (v. 37). Então chegará o seu bom
tempo.
No versículo 54, o Senhor voltou-Se
dos discípulos para o povo com palavras de advertência. Eles estavam em uma posição
mais crítica e não sabiam disso. Eles foram bem capazes de ler os sinais do clima,
mas incapazes de ler os sinais do tempo. Por sua rejeição ao Senhor, estavam forçando-O
à posição de seu “adversário”, isto é,
a parte contrária em uma ação judicial. Se persistissem em sua atitude, e o caso
chegasse ao Juiz de todos, eles se encontrariam completamente errados e a pena máxima
viria sobre eles. Eles teriam que pagar até “o último centavo” (ARA).