Lucas registrou a escolha dos doze apóstolos
pelo Senhor e também as instruções que lhes deu, particularmente quanto ao espírito
de graça que deveria caracterizá-los e a veracidade que deveria marcá-los. Descobrimos
que Ele não os enviou imediatamente em sua missão, mas os reteve em Sua companhia,
para que eles pudessem aprender mais de Si mesmo tanto por Suas Palavras como por
Suas ações. O envio para servir não ocorre até o começo do capítulo 9.
Já notamos como esse evangelho é caracterizado
pela revelação da graça. Vemos neste capítulo a continuação desse tema, mostrando
de forma muito impressionante a extensão que a graça alcança. A bênção vai para
os gentios, para o morto, para o corrompido. Além disso, a
maneira pela qual a graça é recebida vem muito claramente à luz – pelo arrependimento
e fé.
O primeiro caso registrado é o dos gentios.
O centurião mostrou que ele aceitou seu lugar entre os “separados da comunidade d'Israel, e estranhos aos concertos da
promessa” (Ef 2:12), enviando ao Senhor uns anciãos judeus para intercederem
por ele. Os anciãos, fiéis à sua educação segundo a lei, teriam estragado totalmente
a graça apresentando o centurião como digno. Sua dignidade, segundo eles, consistia
em sua atitude gentil e atos para com eles mesmos! Isso era bem típico da mente
judaica. Em vez de ver como a sua própria lei os condenava, eles a trataram como
uma distinção conferida a eles; tornaram-se egocêntricos, tornaram eles mesmos e
o tratamento que lhes era concedido, como o critério para outros. Assim, julgados
por seus padrões, esse gentio era um homem digno.
O próprio centurião, no entanto, não
tinha ilusões sobre o assunto. Ele confessou ser indigno, e assim manifestou
o espírito de arrependimento. Ao mesmo tempo, ele manifestou notável fé na graça
e poder do Senhor. Ele ocupava uma posição inferior de autoridade na organização
militar de Roma, mas seu poder era absoluto em seu pequeno círculo. Ele discerniu
no Senhor Um que exercia autoridade em um domínio vastamente maior, e estava confiante
de que uma palavra d’Ele produziria tudo o que era necessário. Nosso falar deve
ser semelhante ao dele. É suficiente que Ele diga “uma palavra”, e não precisamos de nada além disso. A fé que simplesmente
crê n’Ele e em Sua palavra, sem raciocínios, sentimentos ou experiências, é “grande fé” (KJV) segundo o nosso Senhor.
Além disso, vemos como intimamente a fé e o arrependimento estão conectados. Eles
andam de mãos dadas.
Deste caso, passamos para o do homem
morto, sendo levado de Naim para o túmulo. Aqui a fé não é visível de forma alguma:
Suas compaixões e Sua ação preenchem a cena. Graça e autoridade são igualmente e
harmoniosamente manifestadas. A compaixão divina brilhou nas palavras: “Não chores”, ditas à mãe aflita. Sua autoridade
foi demonstrada; quando Ele tocou o esquife toda a procissão fúnebre parou. Então
Sua palavra de poder trouxe o jovem de volta à vida.
Aqui está aqu’Ele que fala e os mortos
O obedecem. “Eu te mando: levanta-te!”
(ARA) Quem é esse “Eu”? Podemos muito
bem fazer essa pergunta. O povo, evidentemente, perguntou-o, e eles decidiram que
Deus havia levantado um grande profeta no meio deles, e as notícias dessas coisas
chegaram até João Batista em sua prisão. Ora, uma questão, quanto a Quem Ele era
afinal de contas, estava naquele momento predominando na mente de João, de modo
que este incidente com relação aos mensageiros de João vem apropriadamente neste
momento.
Os versículos 19-35 parecem ser uma
espécie de parênteses em que nos é demonstrado que o poder exercido na graça, e
não em pompa externa, é a prova da presença do Messias. Aos mensageiros de João
foi permitido que vissem amplas provas desse poder em graça. Eles O viram fazendo
o que Isaías 61:1 dissera que Ele faria. Essa foi uma prova ampla de Quem Ele era.
Então, voltando-Se para o povo quando
os mensageiros de João se foram, Ele apontou que o próprio João, Seu precursor,
não tinha sido um mero desprezível, nem tinha aparecido em pompa e luxo. Sua missão
inteira tinha sido estritamente de acordo com o caráter daqu’Ele que ele anunciou,
que era infinitamente grande e ainda assim veio em humilde graça. Ele designou João
como um profeta tão grande que não havia nenhum maior do que ele. Isto evidentemente
mostrou de imediato que quando o povo falava do próprio Cristo como “um grande profeta” eles estavam falhando
ao ficar muito aquém da verdade a respeito d’Ele.
No que dizia respeito a João, embora
tão grande, o menor no vindouro reino de Deus deveria ser maior do que ele – não
moralmente, mas na posição que lhe pertencia. Moralmente João era realmente muito
grande e seu testemunho de tamanha importância que o destino dos homens era determinado
por sua atitude em relação a seu testemunho. Os publicanos e pecadores aceitaram
o testemunho de João e, assim, justificando a Deus, foram finalmente levados a Cristo.
Os fariseus e os doutores da lei o rejeitaram e, no devido tempo, rejeitaram a Cristo.
O versículo 28 só pode ser entendido quando distinguimos entre essa grandeza moral,
que depende do caráter de um homem, e a grandeza que brota da posição à qual Deus
pôde ter Se agradado em nos chamar, o que varia em diferentes dispensações.
O Senhor agora dá, em uma pequena e
surpreendente parábola, o caráter da geração incrédula que O rodeava. Eles eram
como crianças irreverentes que não concordavam com nada; Eles não aceitariam
nem os alegres nem os austeros. Assim, os judeus não se curvaram ao testemunho perscrutador
de João, nem se regozijaram no ministério de graça de Jesus. Eles denunciaram um
como sendo possuído por um demônio, e criticaram falsamente o Outro. Ainda havia
aqueles que discerniram a sabedoria divina em ambos os testemunhos, e estes eram
os verdadeiros filhos da sabedoria.
No incidente que encerra este capítulo,
temos tudo isso mais notavelmente exemplificado. Simão, o fariseu, estava entre
os críticos, a quem nada agradou, embora tenha convidado Jesus para uma refeição
em sua casa. A pobre mulher da cidade era uma daquelas que justificava Jesus, e
assim ela provou ser uma verdadeira filha da sabedoria, e também ela mesma foi justificada.
A tristeza e a contrição da mulher não
significavam nada para o orgulhoso fariseu. Satisfeito consigo mesmo, era um
crítico de Jesus, imputando a Ele os sentimentos que ele nutria por tal pessoa.
Como resultado, ele teve certeza de que Jesus absolutamente não era um profeta.
O versículo 16 nos mostrou que as pessoas comuns pelo menos pensavam que Ele era
um profeta e grande profeta; Simão não chegara mesmo a isso. Eles tiveram um lampejo
de luz; ele era totalmente cego, porque a religião falsa é a coisa mais cegante
do mundo. No entanto, o Senhor rapidamente deu a Simão uma amostra dos grandes poderes
proféticos que possuía.
Simão apenas “falava consigo”. Ele pensava que Jesus não tinha discernimento
quanto à mulher. O Senhor mostrou-lhe imediatamente que conhecia sua hipocrisia
e que lia seus secretos pensamentos, propondo-lhe a parábola dos dois devedores.
Um devedor estava envolvido numa dívida dez vezes “maior” do que o outro; no entanto,
como nenhum dos dois tinha recursos, ambos estavam igualmente falidos. E o credor
os tratava da mesma forma; havia perdão para ambos. Essa parábola tinha a intenção
de convencer que, embora seus pecados pudessem ser menores do que os da mulher,
ele também estava totalmente sem condições de pagar e precisava de misericórdia
perdoadora tanto quanto ela.
Ora, os devedores geralmente não amam
seus credores, mas um senso da graça que perdoa provoca amor, e até mesmo Simão
pôde julgar corretamente isso. Mas então, a aplicação era fácil. Simão, obstinadamente,
se absteve de oferecer ao Senhor as cortesias mais comuns, de acordo com os costumes
daqueles dias. Nem a água para os Seus pés, nem o beijo de boas-vindas, nem o óleo
para a cabeça foram oferecidos. Ele havia recebido o Senhor de uma maneira que equivalia
a oferecer-Lhe um insulto; mas a pobre mulher compensara tudo isso com abundância.
Ele não tinha nenhum sentimento de culpa e nenhum amor por aqu’Ele que veio em graça
perdoadora: ela tinha um verdadeiro e profundo arrependimento, juntamente com fé
em Jesus, e um fervoroso amor por Ele.
Assim, vemos como a graça flui para
os corrompidos, e novamente vemos como o arrependimento e fé andam de mãos dadas:
eles são como a cara e coroa de uma única moeda. A graça que fluiu para esta mulher
é a mais impressionante, na medida em que a alcançou de um modo puramente espiritual.
Ela não veio com doenças corporais e aflições para ser curada; seus males
eram espirituais; Seu fardo era o de seus pecados. A graça concedeu-lhe um
abundante perdão, e Simão foi claramente informado de que tal era o caso.
Mas o Senhor não apenas falou de seu
perdão ao fariseu, mas também tratou dela pessoalmente quanto a isso. Que bálsamo
para seu espírito cansado deve ter sido aquelas palavras: “os teus pecados te são perdoados”. Os santos dos primeiros dias traziam
o sacrifício apropriado para cada transgressão ou pecado, e então sabiam que o pecado
em particular foi perdoado; eles mal conheciam uma completa absolvição tal como
as palavras ditas por Jesus deram a ela. Os espectadores podem muito bem perguntar:
“Quem é Este que até perdoa pecados?”
Deus estava aqui na plenitude da graça no humilde Salvador.
Ele não apenas perdoou; Ele deu à mulher a certeza da
salvação e também declarou que sua fé havia sido o meio da sua
salvação. Não fora esta palavra, ela poderia ter imaginado que havia sido obtida
por sua tristeza ou lágrimas. Mas não: fé é o que estabelece o contato absolutamente
essencial com o Salvador o qual traz a salvação. Ela poderia, de fato, ir “em paz”, pois ela não só tinha perdão,
que cobria todo o seu passado, mas a salvação, o que significava uma libertação
do mal que a escravizara. É isso que a graça realiza.