Os versículos de abertura mostram a
maneira completa e sistemática em que o Senhor Jesus evangelizou as cidades e aldeias.
Ele anunciou o reino de Deus, que envolve a autoridade de Deus sendo estabelecida
e a salvação do homem garantida por meio do julgamento. Ainda era muito cedo para
o evangelho de 1 Coríntios 15:1-4 ser pregado, no entanto, agora que temos esse
evangelho, ainda podemos pregar o reino de Deus em sua forma atual. Os doze estavam
com Ele e estavam sendo treinados sob Seus olhos. Os outros evangelhos nos mostram
isso, mas somente Lucas nos conta como certas mulheres, que experimentaram Seu poder
libertador, O seguiram e ministraram a Ele com seus bens. Isto vem muito apropriadamente
após a história da salvação da mulher pecadora da cidade.
Nos versículos 4-15, temos a parábola
do semeador e sua interpretação. Isso nos revela o agente que a graça divina
usa para realizar seus resultados benignos – a Palavra de Deus. O fruto do
qual a parábola fala não é algo que é natural ao homem: é produzido somente pela
Palavra, como aquela Palavra sendo recebida em corações preparados. Em nossa condição
natural, nosso coração é marcado pela insensibilidade, como o caminho habitual,
ou são superficiais sem convicção, ou preocupados com cuidados ou deleites. O coração
preparado como o bom terreno é aquele que foi despertado e exercitado pelo Espírito
Santo de Deus. Quando o coração é assim tornado “honesto”, a Palavra é retida e valorizada e, por fim, produz fruto.
O versículo 16 acrescenta o fato de
que a luz, assim como o fruto, é produzida pela verdadeira recepção da Palavra.
Toda verdadeira conversão significa o acender de uma nova vela neste mundo de
trevas. Ora, assim como os cuidados, as riquezas e os deleites sufocam a palavra,
assim também algum “vaso”, falando de
trabalho e labuta diária, ou “cama”,
falando de falta de esforço, esconde a vela que foi acesa. Toda vela iluminada pela
recepção da Palavra deve ser visivelmente manifestada para o benefício dos outros.
Vamos todos considerar profundamente isso para nós mesmos, pois o fato é que, se
a luz estiver realmente lá, ela não pode ser totalmente escondida, como o versículo
17 indica. Se ano após ano nada se manifesta, apenas uma conclusão pode ser tirada
– não há nada a ser manifestado.
Todas essas considerações nos levam
a concluir como é imperativo ouvirmos a Palavra corretamente. Consequentemente,
como a ouvimos é de toda importância. O que ouvimos é de igual
importância, e isso é enfatizado em Marcos 4:24. Se não a ouvirmos corretamente,
perdemos até o que parece que possuímos. Isto é afirmado no versículo 18, e é ilustrado
acima, no caso dos ouvintes à beira do caminho, sobre solo pedregoso e os entre
os espinhos.
Os versículos 19-21 acrescentam um fato
ainda mais notável: se a palavra for corretamente recebida, ela traz o seu receptor
para o relacionamento com o próprio Cristo. O Senhor mostra claramente aqui
que o relacionamento que Ele iria reconhecer não se baseava na carne e no sangue,
mas nas realidades espirituais – no ouvir e no praticar a Palavra. Esse pensamento
é expandido nas epístolas: Paulo falando de “ouvir com fé” (Gl 3:2 – AIBB; Rm 10:8-17); Tiago falando das obras
de fé, pois “a fé sem as obras é morta”
(Tg 2:20). Se consultarmos Mateus e Marcos, provavelmente concluiremos que esse
incidente, com relação à mãe e aos irmãos do Senhor, não ocorreu exatamente neste
momento, mas aqui Lucas observa novamente uma ordem que é moral e não histórica.
A Palavra recebida em fé produz frutos para Deus, luz para os homens e introduz
o que a recebe no verdadeiro relacionamento com o próprio Cristo. Há uma sequência
moral nessas coisas.
Nos versículos 22-25, chegamos à tempestade
no lago que foi tão milagrosamente acalmada. Aqui, novamente, acreditamos que vemos
uma sequência moral. Ele havia acabado de apontar que a relação que Ele reconhecia
tinha uma base espiritual, e os discípulos eram aqueles que haviam entrado nela.
Agora eles têm que descobrir que o relacionamento com Ele significa oposição
e problemas no mundo. A água do lago era açoitada para dentro do barco em violentas
ondas pelo poder do vento, assim como Satanás, que é “o príncipe da potestade do ar”, açoita homens e nações em furiosa oposição
contra Cristo e todos os que estão ligados a Ele. Os discípulos entraram nessa tempestade
em particular por causa de sua identificação com Ele.
Por um momento, foi uma experiência
aterrorizante, mas que, posteriormente, deve ter lhes proporcionado muito encorajamento.
Ela serviu como uma oportunidade para Ele mostrar Seu completo domínio sobre o vento
e o mar, e sobre o poder que estava por trás deles. No momento, a fé dos discípulos
era pequena. Eles estavam pensando em sua própria segurança, e ainda tinham pouco
entendimento de Quem Ele era. Quando mais tarde o Espírito foi dado, e viram todas
as coisas claramente, devem ter se maravilhado com sua própria insensatez, que eles
tinham tão pouco apreendido a majestade de Sua ação. Se
eles a tivessem apreendido, seus corações teriam se acalmado, igualmente com as
águas do lago.
No lago o Senhor triunfou sobre o poder
de Satanás trabalhando nos elementos da natureza. Chegando à terra dos gadarenos
Ele foi confrontado pelo mesmo poder, mas de forma muito mais direta, exercido sobre
o homem por meio de demônios. Oposição deve ser esperada, mas o poder de Sua Palavra
é supremo. Este homem apresentava um caso extremo de possessão demoníaca. Havia
“muito tempo” que estava dotado de força
sobre-humana, de modo que nenhuma restrição ordinária o detinha; isso o levou a
desertos e ao lugar da morte – os túmulos. Além disso, ele foi escravizado não por
um demônio, mas por muitos. Por alguma razão ele se tornou como uma fortaleza, fortemente
mantida por Satanás por toda uma legião de demônios; então, quando Jesus o encontrou,
houve uma prova de força, de fato.
O grito do homem endemoninhado, no qual
ele reconheceu Jesus como “Filho do Deus
Altíssimo”, está surpreendentemente em contraste com a exclamação dos discípulos:
“Quem é Este!” Os demônios não tinham
dúvidas quanto a Quem Ele era, e sabiam que haviam encontrado seu supremo Mestre,
que poderia tê-los banido para “o abismo”,
com uma única palavra. Em vez disso, Ele permitiu que eles entrassem nos porcos.
Isso significava libertação para o homem, mas desastre para os porcos. Aliás, também,
deve ter significado degradação para os demônios mudarem sua habitação de um homem
para um rebanho de porcos; e essa nova habitação foi perdida em poucos minutos enquanto
os porcos se afogavam no lago. Satanás gostaria de ter afogado o grande Mestre e
Seus discípulos no lago por volta de uma hora antes; mas na verdade, foram os porcos,
dos quais ele havia se apossado por seus agentes, que se afogaram.
Assim como o vento e a água obedeceram
à Sua Palavra, os demônios tiveram de obedecer. O homem foi completamente libertado
e o seu caráter mudou totalmente. Nas palavras “vestido, e em seu juízo, assentado aos pés de Jesus”, podemos ver uma
bela imagem do que a graça realiza para os homens, que foram mantidos cativos pelo
poder de Satanás. Também podemos ver neste homem libertado outra característica
que é boa para nós. Também não estamos autorizados a estar com o nosso Libertador:
temos que voltar aos nossos amigos e mostrar o que foi feito em nós. Quanto mais
completa for a mudança, como no caso deste homem, mais eficaz é esse tal testemunho.
O testemunho foi perdido pelo povo gadareno,
que havia perdido seus porcos. Eles apreciavam os porcos, mas não a graça, então
recusaram o Libertador. Jesus aceitou a recusa deles e voltou para o outro lado
do lago para continuar a manifestação de Sua graça lá.
Os discípulos haviam testemunhado o
triunfo de seu Senhor sobre a oposição tanto no lago quanto na terra dos
gadarenos, e agora veriam mais triunfos do lado do mar de Cafarnaum. O submundo
dos demônios reconheceu Seu poder, assim como os elementos da natureza o
reconheceram: agora a doença e a morte são permitidas estar em Sua presença. É digno
de nota que aquele que se aproximou do Senhor primeiro não foi o primeiro a receber
a bênção.
Jairo era um que representava os filhos
de Israel; a morte estava invadindo sua casa e ele apelou ao Senhor, encontrando
uma resposta imediata. No caminho, Jesus foi interceptado por uma mulher não identificada
que sofria de uma doença incurável. Seu toque de fé lhe trouxe cura instantânea.
Embora chegando mais tarde e não agindo de maneira normal em seus procedimentos,
ela foi a primeira a experimentar a graça libertadora do Senhor. Podemos traçar
aqui uma analogia com os atuais caminhos de Deus. Enquanto ainda está a caminho
de ressuscitar e abençoar a “filha de Israel”,
os outros, e esses principalmente gentios, estão dando o toque de fé e obtendo a
bênção.
Era apenas um toque, e era apenas
na
orla de Suas vestes, mas a bênção se tornou dela em sua plenitude – ilustrando
assim o fato de que a medida de nossa fé não determina a medida da bênção que a
graça concede – pois ela foi perfeitamente curada. Também vemos que um toque
por si mesmo não trazia nada, pois a palavra de protesto de Pedro mostrou que muitos
tinham, por várias razões, entrado em contato com Ele, apertando-O e
oprimindo-O. Apenas o toque da fé contava. Em outras palavras, fé era a coisa
totalmente essencial, e nisso podemos nos exercitar hoje, embora o toque
da fé só possa ser dado espiritualmente e não fisicamente.
Por Suas perguntas Jesus trouxe a mulher
ao ponto da confissão. De acordo com o espírito do evangelho, a fé de seu coração
tinha que ser seguida pela confissão de seus lábios, e isso lhe trouxe um acesso
à bênção, pois ela recebeu as palavras: “Tua
fé te salvou. Vai em paz”. Sem essa palavra, sua mente poderia ter sido ofuscada
pelo pavor da recorrência do seu fluxo. Sua fé, expressa no toque, trouxe a cura;
mas sua confissão trouxe a palavra de segurança que tranquilizou sua mente. Quantos
podem existir hoje que não têm plena certeza da salvação, porque lhes faltou coragem
para confessar plenamente o Seu nome.
Naquele momento veio a notícia da morte
da filha de Jairo, e isso forneceu uma nova oportunidade para que a importância
da fé fosse enfatizada. Para os homens a morte é o fim de toda esperança; no entanto,
a palavra de Jesus era: “Não temas; crê
somente”. Para seus pais e amigos, era a morte, mas para Ele era apenas o dormir;
contudo, a própria incredulidade dos que a pranteavam nos permite ver que ela realmente
estava morta. Os incrédulos zombadores foram todos expulsos e apenas alguns poucos
que criam viram a Sua obra de poder. Com Sua palavra, o espírito dela voltou e foi
restaurada à vida.
A exortação de “que a ninguém dissessem o que havia sucedido” era totalmente contrária
a todas as ideias humanas. Os homens amam a notoriedade, mas não o Senhor. Ele trabalhou
para tornar Deus conhecido, e somente a fé entendia Suas obras, e foi confirmada
por meio disso.