Os discípulos agora tiveram plena oportunidade
de aprender o espírito, os métodos e o poder de seu Mestre; então foram enviados,
e os versículos 1-6 nos dizem como eles foram comissionados. Ele “convocou-os... deu-lhes... enviou-os... disse-lhes... ”. A ordem dos quatro verbos é muito instrutiva. A escolha é Sua e
não nossa. Mas então Ele não apenas chama, mas também dá a autoridade e o poder
adequados para o serviço ao qual Ele chama. Ele não os envia até que esse poder
seja dado. E então, ao enviar Ele dá as instruções específicas que são para controlá-los
e guiá-los em seu serviço. As instruções que Ele lhes deu eram exatamente adequadas
aos homens que foram enviados para apoiar o testemunho prestado pelo Messias, o
Filho do Homem, presente pessoalmente na Terra.
O testemunho a que somos chamados a
prestar hoje não é esse, mas sim o de Cristo que está ressuscitado e foi glorificado
nas alturas; qualquer serviço que ainda possamos prestar está sujeito exatamente
às mesmas condições. Ele deve convocar e enviar. Se Ele chamar qualquer um de nós,
Ele dará o poder e a graça necessários para o trabalho; e quando enviados também
devemos ter o cuidado de observar as instruções que Ele nos deixou.
Os discípulos saíram com o poder do
seu Senhor por trás deles, e o testemunho sendo assim multiplicado, a atenção de
até mesmo um monarca ímpio como Herodes foi atraída para o Senhor. A grande questão
era: “Quem é Esse?” As pessoas perguntavam
e se entregavam à especulações. Herodes indagou com uma mente inquieta, pois ele
já havia decapitado João. Seu desejo de ver Jesus foi cumprido, mas dificilmente
da maneira que ele havia previsto – veja Lucas 23:8-11.
Todos os detalhes da missão dos discípulos
são passados em silêncio. No versículo 10 está registrado que eles retornaram e
contaram ao seu Mestre tudo o que haviam feito, e Ele, tomando-os à parte, os levou
a um lugar em particular. Assim será para todos nós quando chegarmos a Ele em Sua
vinda. Isso significará ser manifestado diante de Seu tribunal; e será na privacidade
e no descanso de Sua presença.
Nesta ocasião, havia muito pouco descanso
para Ele. No deserto, porém, as pessoas se aglomeravam em busca d’Ele e ninguém
era deixado de fora. Ele os recebeu, Ele lhes falou do reino de Deus, Ele os curou
e, quando a noite se aproximava e eles estavam com fome, Ele os alimentou.
Os discípulos eram como nós mesmos:
tinham muito a aprender. Apesar de terem sido enviados como Seus mensageiros, não
tinham um senso adequado de Seu poder e suficiência, e, portanto, julgavam a situação
difícil à luz de seus próprios poderes e recursos, em vez de julgar tudo por Ele.
Quando lhes disse: “Dai-lhes vós de comer”,
pensaram em seus pães e peixes – lamentavelmente poucos e pequenos. Eles poderiam
ter dito: “Senhor, é para Ti que olhamos: de bom grado daremos a eles tudo o
que Tu deres para nós”.
Quão facilmente podemos ver o que eles
poderiam ter dito e, no entanto, falhar da mesma maneira em que eles falharam! Temos
de aprender que, se Ele comanda, Ele capacita. Ele capacitou nesta ocasião, e os
discípulos foram usados em dispensar Sua generosidade. Assim, eles foram instruídos
quanto à plenitude do suprimento que estava n’Ele.
Antes de multiplicar os pães e os peixes,
Jesus olhou para o céu, conectando assim publicamente Sua ação com Deus. No versículo
18, novamente o encontramos em oração particular, expressando assim o lugar dependente
que Ele havia tomado em Humanidade. A graça era a graça de Deus, embora fluindo
para os homens por Ele.
Tendo dado a Seus discípulos este vislumbre
de Sua plenitude, Ele os advertiu de Sua rejeição que se aproximava e de seus resultados
no que lhes dizia respeito. As pessoas ainda estavam completamente em trevas quanto
a Quem Ele era, mas Pedro – e sem dúvida os outros discípulos também – sabia que
Ele era o Cristo de Deus, ou o Messias. Essa confissão de Pedro encontrou o mandamento
do Senhor de não dizer isso a ninguém. Esse comando deve ter sido uma grande surpresa
para eles, pois até esse ponto as boas-novas que haviam encontrado sobre o Messias
deve ter sido o item principal de seu testemunho. Agora, porém, o momento havia
chegado para eles saberem que o que estava diante d’Ele não era a glória terrena
do Messias, mas a morte e a ressurreição. Ao trazer a notícia disso, o Senhor falou
de Si mesmo como o Filho do Homem – um título com implicações mais abrangentes.
O Messias deve governar Israel e as nações, de acordo com Salmo 2: o Filho do Homem
deve ter todas as coisas sob os Seus pés, de acordo com o Salmo 8.
Ao falar de Si mesmo dessa maneira,
o Senhor estava começando a conduzir seus pensamentos para os novos desenvolvimentos
que estavam prestes a acontecer, embora Ele ainda não estivesse revelando quais
eram os acontecimentos. Ainda assim, Ele disse-lhes muito claramente que, se a morte
estivesse diante d’Ele, também estaria diante deles. Este certamente é o significado
das palavras “negue-se a si mesmo e tome
cada dia a sua cruz”. Negar a si mesmo é aceitar a morte interiormente – a morte
está nos movimentos da própria vontade. Tomar a cruz diariamente é aceitar a morte
exteriormente, pois se o mundo visse um homem carregando sua cruz, saberia que ele
estava sob sua sentença de morte.
Os versículos 24-26 aumentam esse pensamento.
Existe vida de acordo com o conceito deste mundo, composta de todas as coisas que
apelam para os gostos naturais do homem. Se procurarmos salvar essa vida, só a perdemos.
O caminho para o discípulo é perder essa vida por amor a Cristo, e então salvamos
a vida no sentido apropriado, aquilo que é realmente vida. O homem do mundo agarra
a vida deste mundo e termina se perdendo; e isso é a perda de um tipo irreparável
e eterno. O discípulo que perde a vida neste mundo não é perdedor no final. O versículo
26 fala somente daquele que é envergonhado. O contrário, no entanto, é verdade:
aquele que não é envergonhado será reconhecido pelo Filho do Homem no dia
da Sua glória.
O Senhor sabia que estas Suas palavras
cairiam como um golpe na mente dos discípulos e, portanto, Ele imediatamente lhes
ministrou grande encorajamento, não tanto por palavras, mas dando-lhes uma visão
de Sua glória. Isso foi concedido não a todos, mas aos três escolhidos, e eles poderiam
comunicá-lo ao resto. Na transfiguração eles viram o reino de Deus, pois naquele
breve momento eles foram “testemunhas oculares
da Sua majestade” (2 Pe 1:16). A expressão que o Senhor usou – “provar a morte” – é digna de nota. Ela
cobriria não apenas a morte real, mas também a experiência espiritual que Ele havia
indicado no versículo 23. A mesma coisa vale para nós em princípio. É somente quando
vemos o reino pela fé que estamos preparados para provar a morte dessa maneira experimental.
Mais uma vez, nós O encontramos orando,
e é somente Lucas quem registra que a transfiguração ocorreu quando Ele orou. É
um fato marcante que foi o Homem dependente e de oração que brilhou em glória como
o Rei. Muito antes disso, Davi dissera: “Aqu’Ele
que domina sobre os homens com justiça, que domina no temor de Deus” (2 Sm 23:3).
Aqui vemos aqu’Ele que assumirá o reino e o manterá para Deus, governando como o
Homem dependente. Todos os elementos do reino vindouro estavam lá em forma de amostra.
O próprio Rei foi manifestado como o objeto central. Moisés e Elias apareceram do
mundo invisível e celestial, representando os santos celestiais que aparecerão com
o Rei quando Ele Se manifestar: Moisés representando os santos que ressuscitaram
dos mortos e Elias os arrebatados ao céu sem morrer. Então Pedro, Tiago e João representaram
os santos que estarão na Terra, abençoados à luz da Sua glória.
Enquanto os discípulos estavam carregados
de sono, os santos celestiais conversavam com o seu Senhor a respeito de Sua morte
que se aproximava, que é fornecer a base sobre a qual a glória deve repousar. Lucas
fala disso como Sua “partida” (ARA) ou
“êxodo”, pois significava que Ele estava saindo da ordem terrena na qual Ele havia
entrado e Sua entrada no mundo deles (Moisés e Elias) pela ressurreição dentre os
mortos. Quando os discípulos despertaram, o único pensamento de Pedro foi perpetuar
a ordem terrena e manter seu Mestre nela. Ele teria detido Moisés e Elias também,
se lhe fosse permitido fazer seus três tabernáculos. Até agora ele não tinha
abraçado a realidade da ordem celestial das coisas exposta diante de seus olhos,
e ainda não tinha a devida apreensão da suprema glória de Jesus.
Por isso, naquele momento veio a nuvem
– evidentemente a conhecida nuvem da presença divina – que os ofuscou com seu brilho,
e os silenciou com temor. Então a voz do Pai proclamou a suprema glória de Jesus
e O destacou como o único a Quem todos devem ouvir. Nenhum Moisés, nenhum Elias
é por um momento para ser juntado a Ele. Jesus é de fato para ser “achado só”. Embora naquele momento Pedro
não entendesse o significado completo de tudo aquilo e, portanto, “por aqueles dias não contaram a ninguém”;
ele o fez depois, como mostra sua alusão a isso em sua segunda epístola. Isso confirmou
para ele, e para nós, a palavra profética, dando a certeza de que, antecipando “o reino eterno de nosso Senhor e Salvador Jesus
Cristo”, não estamos seguindo “fábulas
engenhosamente inventadas” (ARA), mas descansando em verdade sólida.
Quão grande foi o contraste quando no
dia seguinte desceram do monte! Acima, tudo tinha sido a glória, o poder e a glória
de Cristo, com a sua ordem e paz que as acompanhavam. Abaixo, tudo estava sob o
poder de Satanás, com desordem e distração. Os nove discípulos deixados no pé do
monte foram testados pelo menino possuído por um demônio particularmente violento
e falharam. O pai perturbado apelou ao Senhor, embora evidentemente com pouca expectativa
de poder fazer alguma coisa. Jesus instantaneamente agiu pela libertação do menino,
e “E todos ficaram maravilhados ante a
majestade de Deus”. O poder majestoso que Ele mostrou em meio aos distúrbios
no pé do monte era igual à glória que havia sido manifestada em sua excelência no
dia anterior.
Então, mais uma vez, justamente quando
Ele manifestou Seu poder, Ele falou de Sua morte. Disse Ele: “Ponde vós estas palavras em vossos ouvidos”.
Que palavras? Podemos perguntar, pois Lucas não registrou nenhuma palavra em particular
relacionada à expulsão do espírito imundo. As palavras referem-se talvez às
palavras ditas sobre o monte santo, onde Sua morte foi o tema. Mas aquele era o
problema com os discípulos naquele momento: eles não podiam tirar de suas mentes
as expectativas de um reino imediato na Terra, de modo a perceber que Ele estava
prestes a morrer. A triste consequência disso é vista no versículo 46.
Por natureza somos criaturas com importância
própria, amando proeminência e grandeza acima de tudo; e a carne em um discípulo
não é diferente daquela em um incrédulo. Jesus rebateu o pensamento do coração deles
pela lição objetiva do menino, e por palavras que indicavam que a verdadeira grandeza
é encontrada onde a pequenez de um menino é manifestada, e onde aquele “menor” discípulo é verdadeiramente um representante
de seu Mestre. Receber um menino insignificante é receber o Mestre divino, se o
menino vier “em Meu Nome”. O significado
está no nome, não no menino.
Este episódio, evidentemente, agitou
a consciência de João, de modo que ele mencionou um caso que havia ocorrido algum
tempo antes. Eles haviam proibido algum zeloso trabalhador porque “não segue conosco” (ARA). Atribuíam demasiada
importância ao “conosco” que, afinal
de contas, é apenas um grupo de indivíduos, cada um dos quais não tem importância
em si mesmo. Toda a importância, como o Senhor acaba de mostrar, está no Nome. Ora,
aquele que havia expulsado os demônios – a coisa exata que eles não conseguiram
fazer – fazia isso “em Teu Nome”. Então
ele tinha o poder do Nome e eles tinham a importância imaginada do “conosco”.
O Senhor tratou gentilmente com João, porém com firmeza. O homem não deveria
ser proibido. Ele era pelo Senhor e não contra Ele.
Lucas agora agrupa quatro outros incidentes
no final do capítulo. Parece que o Senhor, tendo mostrado aos discípulos o poder
de Sua graça e do reino de Deus, está agora os instruindo quanto ao espírito que
convém a eles como aqueles trazidos sob ambos; e Ele também os adverte sobre coisas
que seriam obstáculos para isso.
O primeiro obstáculo é obviamente o
egoísmo. Isso pode tomar uma forma intensamente pessoal, como no versículo
46. Ou pode ser coletivo, como no versículo 49. No entanto, mais uma vez
pode estar sob o disfarce de zelo pela reputação do Mestre, e esta é a forma
mais sutil de todas. Os samaritanos estavam completamente errados em sua atitude.
Mas Ele estava indo para Jerusalém para morrer, enquanto Tiago e João desejavam
reivindicar Sua importância – e, consequentemente, a deles mesmos – ao trazer morte
sobre outros. Elias de fato agiu assim quando confrontado pela violência de um rei
apóstata, mas o Filho do Homem é de outro espírito. Esse foi o problema com os discípulos;
eles ainda não entraram no espírito da graça – a graça que caracterizou o seu Mestre.
Os três incidentes que brevemente fecham
o capítulo nos mostram que, se fôssemos verdadeiramente discípulos e adequados ao
reino, deveríamos ter cuidado com a mera energia natural. Uma energia mais
do que natural é necessária se quisermos seguir um Cristo rejeitado. Também não
deve haver indiferença e indecisão. As reivindicações do reino devem
ter precedência acima de tudo o mais.