Quando começamos a ler este capítulo,
chegamos às cenas finais da vida de nosso Senhor. A Páscoa não foi apenas uma testemunha
permanente da libertação de Israel do Egito, mas também uma figura do grande Sacrifício
que ainda estava por vir. Agora, finalmente, o clímax se aproximava, e “Cristo, nossa Páscoa” deveria ser sacrificado
por nós precisamente na época da Páscoa. Os líderes religiosos estavam planejando
como poderiam matá-Lo, apesar do fato de que muitos do povo O viam com favor. Satanás
inspirou o ódio deles, e foi ele quem apresentou a eles uma ferramenta para realizar
seus desejos.
João, no seu evangelho, desmascara Judas
para nós antes que o fim seja alcançado. Em seu décimo segundo capítulo, ele nos
diz que, consumido pela cobiça, ele se tornou um ladrão. João também nos diz em
seu décimo terceiro capítulo o momento exato em que Satanás entrou em Judas. Lucas
relata esse fato terrível de uma maneira mais geral; e mostra que o príncipe dos
poderes das trevas considerou que executar a morte de Cristo era uma tarefa de tal
importância que não deveria ser delegada a um poder menor: ele próprio se encarregaria
do assunto. No entanto, ele empreendeu a tarefa para sua própria derrota. O pacto
entre Judas e os líderes religiosos foi facilmente estabelecido. Eles foram consumidos
pela inveja e Judas pelo amor ao dinheiro.
Durante muitos séculos a Páscoa foi
observada com maior ou menor fidelidade, e agora, em seu pleno significado, era
observada pela última vez. Em vinte e quatro horas, a luz da Páscoa empalideceu
diante do brilho daqu’Ele a Quem ela representava, quando o verdadeiro Cordeiro
de Deus morreu na cruz. É um fato notável que a última vez em que foi celebrada
em seu pleno significado, estava presente para participar dela aqu’Ele que a instituiu
– o Homem Perfeito e Santo, que era o Companheiro de Jeová. Ele ordenou que a Páscoa
fosse preparada, e Ele decidiu o exato lugar onde deviam comê-la. O tempo, a maneira,
o lugar, eram todos da Sua designação. A escolha não está com os discípulos, mas
com Ele, como mostra o versículo 9.
A presciência do Senhor é notavelmente
manifestada no versículo 10. Levar a água era tarefa das mulheres; um homem carregando
um cântaro de água era uma visão muito incomum. No entanto, Ele sabia que haveria
um homem realizando esse ato incomum e que Pedro e João o encontrariam quando entrassem
na cidade. Ele sabia também que o “dono da
casa” (ARA) responderia à mensagem enviada pelos discípulos em nome do “Mestre”. Sem dúvida, ele reconhecia o
Mestre como sendo seu Mestre; em outras palavras, ele era um dos piedosos
em Jerusalém que reconhecia Suas reivindicações, e o Senhor sabia como colocar Sua
mão sobre ele. Este homem teve o privilégio de mobiliar um aposento para o uso daqu’Ele
que não tinha aposento próprio, e quando a hora chegou, assentou-Se com Seus discípulos.
No relato que Lucas faz, a distinção
entre a ceia pascal e a ceia que Ele instituiu é muito clara; os versículos 15-18
falam de uma e os versículos 19-20 de outra. As palavras do Senhor quanto à Páscoa
indicam o encerramento daquela velha ordem de coisas. Seus sofrimentos significariam
o seu cumprimento, e quando um remanescente poupado de Israel entra finalmente na
bem-aventurança do Milênio, será como protegido pelo sangue de Cristo. Quanto ao
cálice (v. 17), isso não parece ter sido parte da Páscoa instituída por meio de
Moisés, e o Senhor aparentemente não bebeu dele. Em vez disso, Ele indicou que Seu
dia de regozijo, simbolizado pelo fruto da videira, só seria alcançado no reino
vindouro.
Então instituiu a Sua própria ceia em
memória de Sua morte; o pão simbolizando Seu corpo, o cálice de vinho, Seu sangue
derramado. O relato é muito breve e, para o significado completo de tudo isso, temos
que ir a 1 Coríntios 10 e 11. Recordação foi o que o Senhor enfatizou no
momento, e em vista de Sua longa ausência, podemos ver a importância disso. Através
dos séculos, o memorial de Sua morte esteve conosco e o testemunho permanente de
Seu amor.
Os versículos que se seguem (vs. 21-27)
testemunham a loucura e a fraqueza que se encontravam entre os discípulos. A mão
do traidor estava sobre a mesa, e Ele sabia disso, embora o resto dos discípulos
não o percebesse. Havia também conflitos entre eles, cada um desejando o lugar mais
importante, e isso exatamente quando seu grande Mestre estava prestes a tomar o
lugar mais baixo. Tal é, infelizmente, o coração do homem, até mesmo dos santos.
No entanto, serviu para destacar muito claramente a diferença fundamental entre
o discípulo e o mundo. A grandeza
mundana é expressa e mantida tomando-se um lugar de senhor: a
grandeza Cristã é encontrada ao tomar o lugar de servo. Nessa
grandeza, o próprio Jesus era preeminente. Poucas palavras são mais tocantes do
que isso – “Eu porém, entre vós Sou como
aqu’Ele que serve”. Essa tinha sido Sua vida de perfeita graça; e dessa
forma, em suprema medida, Sua morte estava prestes a acontecer.
Também é muito tocante observar como
Ele falou aos discípulos nos versículos 28-30. Eles eram de fato insensatos, e seu
espírito se distanciava muito do d’Ele; mesmo assim, com que benevolência que Ele
trouxe à luz o bom traço que os caracterizara. Eles estavam firmemente ligados a
Ele. Apesar de suas tentações, culminando em Sua rejeição, eles continuaram com
Ele. Isso Ele nunca esqueceria, e haveria uma recompensa abundante no reino. No
dia vindouro Ele vai tomar o reino para Seu Pai, e o toma por seus santos,
e estes Seus discípulos terão um lugar muito especial de proeminência. À luz desse
gracioso pronunciamento, eles certamente devem ter percebido quão mesquinhas e repugnantes
haviam sido suas disputas anteriores por uma posição de destaque. E, talvez possamos
sentir o mesmo.
Em seguida, nos versículos 31-34, vem
a advertência especial do Senhor a Pedro. Neste momento ele estava pensando e agindo
na carne, então Jesus usou seu nome de acordo com a carne, e ao falar seu nome repetidamente
transmitiu a gravidade de Sua advertência. A confiança própria marcava Pedro, assim
como o desejo de preeminência, e isso abriu a porta a Satanás; contudo, a intercessão
do Senhor prevaleceria, e havia trigo ali e não apenas palha. Este trigo permaneceria
quando a peneiração terminasse.
Os quatro versículos que se seguem,
35-38, foram dirigidos a todos os discípulos. Eles tinham que testemunhar que possuíam
uma suficiência absoluta como fruto de Seu poder, embora enviados sem recursos humanos;
e Ele notificou que com Sua morte e partida outra ordem de coisas sobreviria. Os
homens O contariam entre os transgressores deste mundo, mas as coisas concernentes
a Ele se cumpririam em outro mundo. Ele seria exaltado à glória, e Seus discípulos
foram deixados como Suas testemunhas, tendo que retomar as circunstâncias cotidianas
deste mundo. Sua resposta a essas palavras mostrou que provavelmente estavam perdendo
o espírito do que Ele disse, agarrando-se a um detalhe literal; então, por enquanto,
Ele deixou isso de lado.
Até agora tem sido o trato de Seu amor
com os Seus; agora vemos a perfeição de Sua Humanidade manifestada no Getsêmani.
Ele enfrentou, como diante do Pai, toda a amargura daquele cálice de juízo que Ele
tinha de beber, e Sua total perfeição é vista pelo fato de que, embora tendo Se
retraído dele, devotou-Se ao cumprimento da vontade do Pai, o que quer que isso
Lhe custasse. Lucas, distinto dos outros evangelistas, nos fala da aparição do anjo
para fortalecê-Lo. Isso enfatiza a realidade da Sua Humanidade, de acordo com o
caráter especial deste evangelho. Assim também o Seu suor, sendo como grandes gotas
de sangue, é mencionado apenas neste evangelho. O horror daquilo que estava diante
d’Ele foi experimentado em comunhão com o Pai.
Com o versículo 47 as últimas cenas
começam; e agora tudo é calma e graça com o Senhor: tudo é confusão
e agitação com Seus amigos, os Seus adversários, e até com os Seus juízes. A comunhão no jardim levou à calma
na hora da grande provação. Judas alcançou as alturas da hipocrisia ao trair
seu Mestre com um beijo. Pedro usou uma daquelas duas espadas a que eles acabaram
de se referir, em violência imprudente e incontrolada. O que Pedro fez em sua violência
o Senhor prontamente desfez em Sua graça. A violência deveria ser deixada para a
multidão com as espadas e varapaus. Era a hora deles e a hora em que o poder das
trevas deveria ser exibido. Nesse sombrio cenário, o Senhor mostrou Sua graça.
O relato da queda de Pedro segue. O
caminho para isso fora preparado por seu desejo anterior pelo primeiro lugar, sua
confiança própria e sua ação violenta. Agora ele seguia de longe, e logo se
achou entre os inimigos de seu Mestre. Satanás estabeleceu a armadilha com plena
habilidade. Primeiro a criada e depois os outros dois empregados pressionaram sua
identificação com Ele, levando-o a negações que aumentavam em ênfase; embora Lucas
não nos diga que ele tenha praguejado e jurado. Isso afinal era incidental; o essencial
era que ele negou seu Senhor.
Precisamente naquele momento, exatamente
como Jesus havia previsto, o galo cantou; e então o Senhor Se virou e olhou para
Pedro. Podemos não saber exatamente o que esse olhar transmitiu, mas isso falou
com tal intensidade ao discípulo caído que ele saiu de entre os inimigos de seu
Mestre com lágrimas amargas. Judas estava cheio de remorso, mas não lemos que ele
chorou. O choro amargo de Pedro foi uma testemunha de que, afinal, ele amava seu
Senhor e que sua fé não iria falhar. A oração e o olhar estavam começando a provar
sua eficácia.
Este evangelho deixa claro que o julgamento de Jesus
foi dividido em quatro partes. Primeiro, houve o exame perante os principais sacerdotes
e escribas, enquanto procuravam algum pretexto plausível para condená-Lo à morte.
Esse relato preenche os versículos finais do capítulo, e é feito com brevidade.
É muito claro, no entanto, que eles O condenaram por Sua própria confissão clara
de Quem Ele era. Eles O desafiaram a ser o Cristo, e a resposta do Senhor mostrou
que Ele sabia que eles estavam firmes em sua incredulidade e em sua determinação
de condená-Lo. Ainda assim, Ele afirmou ser o Filho do Homem, que deveria empunhar
o próprio poder de Deus, e isso eles interpretaram como significando que Ele também
deveria afirmar ser o Filho de Deus. De fato, Ele era, e Sua resposta, “Vós dizeis que Eu Sou”, foi um enfático
“sim”. Ao afirmar ser Ele o Cristo, o Filho do Homem, o Filho de Deus,
eles O condenaram à morte,