Então, na segunda parte do Seu
julgamento, O levaram a Pilatos para obterem a sanção romana para a execução desta
sentença. Aqui eles mudaram completamente de terreno e O acusaram de ser reacionário
e rival de César. Jesus confessou ser o Rei dos judeus, mas Pilatos declarou
que Ele não tinha culpa alguma. Isso pode parecer uma declaração surpreendente,
mas Marcos nos dá uma visão do que acontecia nos bastidores quando nos conta que
Pilatos sabia que o ódio feroz dos líderes religiosos era inspirado pela inveja.
Por isso, ele começou a recusar a ser a ferramenta de seu rancor, e se aproveitou
da ligação do Senhor com a Galileia para enviá-Lo a Herodes. A acusação, “Ele alvoroça o povo” (ARA), era de fato
verdadeira; mas Ele os incitava a Deus e não contra César.
Então, terceiro, houve a breve aparição
do Senhor diante de Herodes, que estava ansioso para vê-Lo, esperando testemunhar
algo sensacional. Aqui novamente os principais sacerdotes e escribas O acusavam
veementemente, mas na presença daquele homem perverso, a quem Ele havia anteriormente
caracterizado como “essa raposa”, Jesus
não respondeu nada. Seu silêncio cheio de dignidade só levou Herodes e seus soldados
a abandonarem toda a pretensão de administrar a justiça e desceram ao escárnio e
à ridicularização. Na Sua humilhação foi tirado o Seu julgamento.
Por isso Herodes devolveu-O a Pilatos,
e aqui começou a quarta e última etapa de Seu julgamento. Mas antes de nos contar
sobre os esforços adicionais de Pilatos para aplacar os acusadores e libertar Jesus,
Lucas registra como ele e Herodes deram um fim à inimizade que tinham entre si ao
condená-Lo naquele dia. A mesma tragédia tem sido repetida desde então. Homens de
caráter e visão completamente diferentes encontraram um ponto de unidade em sua
rejeição a Cristo. Herodes foi entregue aos seus prazeres e era completamente indiferente:
Pilatos, embora possuísse algum senso do que era correto, era um oportunista e,
portanto, pronto para fazer o que era errado em prol da popularidade; mas eles chegaram
a um consenso aqui.
A história das cenas finais do julgamento
é dada com brevidade nos versículos 13-26. Nem uma palavra dita por nosso Senhor
é registrada: tudo é apresentado como uma questão entre Pilatos e o povo instigado
pelos principais sacerdotes; ainda assim, certas coisas se destacam muito claramente.
Em primeiro lugar, dá-se abundante testemunho de que Jesus não tinha culpa
alguma. Pilatos afirmou isso durante o interrogatório anterior (v. 4), e agora
ele repete duas vezes (vs. 14 e 22), e afirma pela quarta vez como sendo o veredicto
de Herodes (v. 15). Deus cuidou de que houvesse testemunho abundante e oficial disso.
Então a fúria irracional cega de
Seus acusadores é abundantemente manifestada. Eles simplesmente clamaram por Sua
morte. Mais uma vez, a escolha que fizeram, como alternativa à Sua libertação, destaca-se
com clareza cristalina. Duas vezes nestes versículos Barrabás é identificado com
sedição e homicídio; isto é, ele era a personificação viva das duas formas
nas quais o mal é tão frequentemente apresentado nas Escrituras – corrupção e violência;
ou, em outras palavras, vemos o poder de Satanás operando, tanto como uma serpente
assim como um leão que ruge. Por fim, vemos que a condenação de Jesus foi o resultado
da fraqueza do juiz, que “entregou
Jesus à vontade deles”. Ele representava o autoritário poder de Roma, mas ele
abdicou em favor da vontade do povo.
As cenas da crucificação ocupam os versículos
27-49. Ficamos impressionados com o fato de que por todo o acontecimento, nada
transcorreu de maneira comum. Tudo era incomum – sobrenatural, ou chegando ao sobrenatural.
Era bastante comum as mulheres que faziam lamentações nos lutos aparecerem nessas
ocasiões, mas é totalmente incomum que lhes seja dito que chorem por si mesmas,
ou que ouçam uma profecia de um castigo vindouro. O próprio Jesus era o “madeiro verde”, de acordo com o Salmo 1,
e talvez Ele estivesse Se referindo à parábola de Ezequiel 20:45-49. Nessa escritura,
Deus prediz um fogo sobre cada árvore verde e cada árvore seca. O julgamento caiu
sobre o “madeiro verde” quando Cristo
sofreu por nossa causa. Quando o fogo irromper na árvore seca dos judeus apóstatas,
não se apagará.
Então a oração de Jesus enquanto eles
O crucificavam era totalmente inesperada e incomum. Ele desejava que o Pai, com
efeito, não considerasse o pecado do povo como um homicídio voluntarioso, para o
qual não havia perdão, mas como homicídio não intencional, para que ainda pudesse
haver uma cidade de refúgio, mesmo para Seus homicidas. Uma resposta a essa oração
foi vista cerca de cinquenta dias depois, quando Pedro em Jerusalém pregou a salvação
por meio do Cristo ressurreto, e 3.000 almas correram para o refúgio. A oração era
incomum porque era o fruto de compaixões divinas tais como nunca havia sido revelado
antes.
As ações das várias pessoas envolvidas
em Sua crucificação eram incomuns. Os homens não costumam provocar e insultar até
mesmo os piores criminosos que estão sofrendo pena de morte. Aqui todas as classes
o fizeram, até mesmo príncipes, soldados e um dos malfeitores que sofreu ao Seu
lado. O poder do diabo e das trevas tomou conta de suas mentes.
A inscrição de Pilatos foi inesperada.
Tendo O condenado como um falso pretendente à realeza entre os judeus, ele escreveu
um título proclamando-O como o Rei dos judeus e, como mostra outro evangelho, ele
se recusou a alterá-lo. Isto era Deus prevalecendo sobre tudo.
A conversão repentina do outro ladrão
era totalmente sobrenatural. Ele condenou a si mesmo e justificou a Jesus. Tendo
justificado a Ele, ele O reconheceu como Senhor e proclamou – praticamente, embora
não em tantas palavras – sua crença de que Deus O ressuscitaria dos mortos, a fim
de estabelecê-Lo em Seu reino. Ele cumpriu as duas condições de Romanos 10:9, simplesmente
crendo que Deus O ressuscitaria dos mortos, ao invés de crer, como nós, que
Deus O ressuscitou dos mortos. A fé do
ladrão que estava morrendo era uma pedra preciosa de primeira ordem, ao lado da
qual a nossa fé hoje perde seu brilho. É muito mais notável crer que algo deve ser
feito, quando ainda não tenha sido feito, do que crer que algo está feito, quando
ele já foi feito. E, além disso, era muito incomum que um malfeitor quisesse ser
lembrado pelo Rei, quando o Seu reino fosse estabelecido. Os malfeitores
costumam fugir para as sombras e desejam ser esquecidos pelas autoridades. Seu desejo
de ser lembrado mostra sua fé na graça do Senhor sofredor igualmente sua
fé em Sua glória vindoura.
A resposta de Jesus à oração do ladrão
foi realmente maravilhosa e inesperada! Não apenas no reino vindouro, mas naquele
mesmo dia, ele experimentaria a graça que alcançava além da morte, colocando seu
espírito resgatado em companhia de Cristo no paraíso. Ora, o paraíso e o terceiro
céu são equiparados em 2 Coríntios 12:2-4. Essas palavras do Senhor foram a primeira
revelação definida do fato de que, imediatamente após a morte, os espíritos dos
santos estão em consciente bem-aventurança
com Cristo.
Se tudo era incomum, no lado humano,
quando Jesus morreu, havia também manifestações sobrenaturais vindas da mão de Deus,
das quais falam os versículos 44 e 45. As três horas mais brilhantes do dia foram
escurecidas, pelo Sol sendo velado. Havia algo muito apropriado nisso, pois o verdadeiro
“Sol da Justiça” estava levando nosso
pecado naquele momento. Também o véu do templo foi rasgado por uma mão divina, significando
que o dia do sistema do templo visível tinha acabado, e o caminho para o Santo
dos santos estava a ponto de se manifestar – veja Hebreus 9:8. Nosso verdadeiro
“Sol” foi velado por um momento,
suportando nosso julgamento, para que não houvesse nenhum véu entre nós e
Deus.
Lucas não registra o clamor do Salvador
quanto ao abandono divino, proferido sobre o tempo em que as trevas passavam, nem
o grito triunfante: “Está consumado”,
embora ele registre que Ele “clamou em alta
voz” (ARA). E então Suas palavras finais foram: “Pai, nas Tuas mãos entrego o Meu espírito”. Nestas palavras finais
na cruz, vemos aqu’Ele que, desde o princípio, foi marcado pela oração e submissão
à vontade de Deus, concluindo Seu caminho como o Homem perfeito e dependente. Tendo
dito isto, Ele entregou o Seu espírito; ainda assim, vemos que Ele é mais do que
Homem, pois em um momento havia a voz alta, Seu vigor intacto e no momento seguinte
Ele estava morto. Em todos os sentidos, Sua morte foi sobrenatural.
Testemunho disso foi prestado pelo centurião
que testemunhou a cena em razão de seu dever oficial. Mesmo as multidões atraídas
pela curiosidade mórbida foram tomadas por um alarmante temor e pressentimento,
e aqueles que eram Seus amigos recuaram-se à distância. O centurião tornou-se uma
quarta testemunha da perfeição de Jesus, unindo-se a Pilatos, Herodes e ao ladrão
moribundo.
Os escritos proféticos haviam dito:
“Afastaste para longe de Mim amigos e
companheiros” (Sl 88:18), mas eles também disseram: “Designaram-Lhe a sepultura ...
mas com o rico esteve na Sua morte” (Is 53:9 – ARA). Se o versículo 49 nos dá
o cumprimento de um, os versículos 50-53 nos dão o cumprimento do outro. Em toda
emergência Deus tem em reserva um instrumento para realizar Seu propósito e cumprir
Sua palavra. José é mencionado em todos os quatro evangelhos, e João nos informa
que até esse ponto ele havia sido um discípulo em oculto por medo dos judeus. Agora
ele age com ousadia quando todos os outros se acovardaram, e o novo túmulo imaculado
está disponível para o corpo sagrado do Senhor. Nem mesmo pelo mais mínimo contato
Ele “viu a corrupção”. Os homens pretendiam
o contrário, mas Deus cumpriu serenamente a Sua palavra.