No capítulo anterior vimos o Senhor
Jesus vindo no poder do Espírito para anunciar a graça de Deus e ser confrontado
imediatamente com a rejeição do homem. Vimos, no entanto, que Ele seguiu Seu caminho
de graça inabalado a tudo isso. Este capítulo apresenta-nos agora uma série de imagens
encantadoras, ilustrando o que a graça realiza no caso daqueles que a recebem. Quatro
homens vêm diante de nós – Pedro, o leproso, o paralítico, Levi – e uma característica
diferente marca cada um deles. Eles seguem um ao outro em uma ordem que é moral,
se não estritamente cronológica.
Tanto Mateus como Marcos nos diz como
o Senhor chamou os quatro pescadores para serem Seus seguidores, mas apenas Lucas
nos informa sobre a milagrosa quantidade de peixes apanhada, que causou uma impressão
tão profunda em Pedro. O Senhor usou seu barco e não ficaria seu devedor, mas foi
a graça que lhe rendeu uma recompensa tão abundante. Tornou-se ainda mais impressionante
o fato de que eles haviam passado uma noite cheia de trabalho e totalmente infrutífera.
Ora não havia apenas abundância, mas superabundância. Onde trabalho infrutífero
abundou, aí os ricos resultados abundaram muito mais. A única falha estava ligada
à sua capacidade de conservar o que a graça concedia.
O barco de Pedro saiu duas vezes para
o lago, uma vez à noite, quando podia haver expectativas por peixe, uma vez ao dia,
quando não havia. O lugar era o mesmo nas duas ocasiões, assim como os homens, e
também o equipamento deles. O que fez a diferença? Uma coisa e uma coisa só. Cristo
havia entrado no barco. Pedro teve seus olhos abertos para ver esse fato e isso
evidentemente fez o Salvador brilhar diante dele em uma luz que era divina. Encontrando-se
na presença de Deus, embora fosse Deus presente na plenitude da graça, forjou no
coração de Pedro a convicção de sua própria pecaminosidade.
Ora esta é a primeira coisa que a graça
traz consigo – a convicção do pecado. A graça produz essa convicção em uma medida
mais profunda do que jamais a lei produziu, e a graça atrai enquanto a produz a
convicção. Aqui está o maravilhoso contraste. A lei de Moisés, quando dada no Sinai,
provocou convicção de inaptidão por parte do povo, e repeliu-os e enviou-os para
longe do monte em chamas. A graça na Pessoa de Jesus convenceu de tal maneira a
Pedro que confessou estar cheio de pecado e, mesmo assim, se colocou aos joelhos
de Jesus, se aproximando do Salvador o máximo que pôde.
O próximo incidente, apropriadamente,
é sobre um homem, não exatamente cheio de pecados, mas cheio de lepra, que é um
tipo do pecado. Tão cheio de lepra era ele que se sentia um objeto demasiado repulsivo
para contar com confiança na bondade de Jesus. Ele estava confiante em Seu poder,
mas duvidoso quanto à Sua graça. Então ele se aproximou com as palavras: “Senhor, se quiseres ...” revelando-se completamente cheio de lepra
e parcialmente cheio de dúvidas. A graça do Senhor imediatamente se elevou ao seu
auge. Todo o poder estava em Sua Palavra, mas Ele estendeu a mão e tocou-o, como
se para apagar de sua mente para sempre a última dúvida que persistia e colocá-lo
perfeitamente à vontade.
Agora, aqui vemos que a graça traz a
purificação, a purificação que a lei não trouxe, embora fizesse provisão para o
reconhecimento pelos sacerdotes de qualquer purificação que deveria ser efetuada
a qualquer momento pelo poder de Deus. Ali estava o poder de Deus operando na plenitude
da graça, e era de fato uma visão adorável! Não nos admiramos de que grandes multidões
se ajuntassem para ouvir e ser curadas, como registra o versículo 15.
Não deixe escapar o versículo 16. Jesus
tomou o lugar do Homem em dependência de Deus, agindo pelo poder do Espírito. A
graça tem fluído livremente d’Ele, e Ele aplica tempo para a comunhão em oração,
retirado do ambiente dos homens, antes de entrar mais profundamente em contato com
a necessidade humana.
Em seguida vem o caso do homem atacado
pela paralisia e reduzido a um estado de total desamparo. Nada é dito quanto à sua
fé, embora fé impressionante e enérgica tenha sido demonstrada pelos homens que
o trouxeram, e o Senhor a respondeu abundantemente. Os fariseus e os doutores da
lei, que estavam presentes, completam a imagem com uma espécie de fundo sombrio.
Eles tinham muitas necessidades e o poder do Senhor estava presente para curá-los,
já que a graça traz seus amplos suprimentos gratuitamente e para todos. Estavam
presentes, no entanto, para dar e não para receber. E o que deram foi crítica, e
ela foi comprovada estar errada! Eles lançaram suas críticas e perderam a bênção.
O homem obteve a bênção – o poder foi
concedido a ele. Isso era exatamente o que precisava. O homem cheio de pecado não
só precisa ser purificado do seu pecado, mas também precisa de poder sobre o seu
pecado, e precisa desse poder em conexão com o perdão. Evidentemente, no caso deste
homem, sua paralisia foi o resultado de seu pecado, e o Senhor lidou com a raiz
do problema antes de dirigir a Si mesmo ao fruto. Esse é o caminho que a graça sempre
toma, pois nunca há nada de superficial em seus métodos. Os fariseus que criticavam
não podiam libertar o corpo do homem das garras da paralisia nem livrar sua alma
da culpa de seus pecados. Jesus poderia fazer as duas coisas: e Ele provou Seu poder
para realizar a maravilha do perdão, que estava fora da observação humana, realizando
a maravilha da cura bem diante de seus olhos.
Os fariseus estavam certos em acreditar
que ninguém, apenas Deus, pode perdoar. Mas quando O ouviram dar a absolvição,
denunciaram-No como blasfemo. Deduzimos disso que Ele é Deus. Cada
um de nós tem que enfrentar essa alternativa nítida e clara, e feliz é aquele
que tomar a decisão certa. A cura que o homem recebeu foi dada à maneira de Deus.
Ele levantou-se um homem forte, capaz de levantar a cama imediatamente e marchar
para sua casa. Ele fez isso glorificando a Deus, e os espectadores foram movidos
da mesma maneira. A graça, quando manifestada, leva à glória de Deus.
Em quarto lugar, Levi entra em cena
e ilustra o fato de que a graça fornece um objeto para o coração. Quando Jesus o
chamou, ele estava ocupado na agradável tarefa de receber dinheiro. Sua mente e
coração foram instantaneamente desviados de seu dinheiro e ele começou a seguir
o Senhor, com o resultado que vemos adiante ao vê-lo invertendo o processo, e distribuindo
ao dar aos pobres de acordo com o Salmo 112:9. Levi convidou uma grande companhia
de publicanos e outros para sua festa, mostrando como imediatamente seus pensamentos
haviam sido colocados em sintonia com seu recém-encontrado Senhor, e que ele havia
captado o espírito da graça. No entanto, Cristo foi o verdadeiro Objeto da festa,
pois diz que “fez-Lhe Levi um grande banquete
em sua casa”. Os fariseus estavam totalmente discordes com este espírito de
graça, mas suas objeções só serviam para trazer a grande palavra: “Eu não vim chamar os justos, mas, sim, os pecadores,
ao arrependimento”.
Tudo o que temos dito pode ser resumido
nisto: Graça produz convicção de pecado, e depois trabalha limpando do
pecado. Então ela confere poder, e também conforma o recebedor à semelhança
daqu’Ele em Quem a graça é expressada. Cristo Se tornando o Objeto de Levi,
podemos ver como ele começou a captar o espírito de seu Mestre.
Do versículo 33 até o capítulo 6, outra
coisa começa a emergir claramente; e isso é que a graça liberta da escravidão
e conduz à liberdade. Os fariseus não gostavam da graça e eram muito fortes
quanto aos jejuns e orações e outras cerimônias prescritas pela lei. A lei gera
escravidão e a graça traz liberdade: isso é ensinado completamente na epístola aos
Gálatas. A plena verdade exposta ali não poderia ser revelada até que a morte e
a ressurreição de Cristo fossem cumpridas e o Espírito tivesse sido dado, ainda
aqui encontramos o Senhor começando a falar das coisas que tão cedo iriam brilhar
claramente. Ele usa linguagem parabólica ou ilustrativa, mas seu significado é claro.
Sendo o verdadeiro Messias, Ele era o “Noivo”
(TB), e Sua presença com Seus discípulos proibia que eles estivessem sob aquelas
restrições.
Então, além disso, Ele estava introduzindo
o que era novo. N’Ele a graça de Deus começava a brilhar e, como um pedaço
de tecido novo, não podia ser tratado como um remendo a ser colocado na velha vestimenta
da lei. O novo imporá tal tensão ao velho tecido que ele se rasgará, e também não
haverá adequação entre o novo e o velho. Eles se mostrarão totalmente incongruentes.
Novamente, mudando a figura, a graça
com sua expansividade pode ser comparada à ação do novo vinho; enquanto as formas
e ordenações da lei são marcadas pela rigidez dos odres velhos. Se a tentativa é
feita para confinar um dentro do outro, o desastre é certo. Novos vasos devem ser
encontrados que sejam capazes de conter o novo poder.
Desta maneira marcante o Senhor indicou
que a graça de Deus, que havia chegado em Si mesmo, criaria suas próprias novas
condições, e que as “ordenanças da carne”
(ARA) instituídas em Israel sob a lei só foram “impostas até ao tempo da correção [reforma – ARA]” (Hb 9:10).
Mas ao mesmo tempo Ele indicou que os homens naturalmente preferem a lei à graça
– o vinho velho é melhor do que o novo. Uma grande razão para isso é que, pelo simples
fato de dar a lei aos homens, supõe-se que eles talvez fossem capazes de guardá-la;
enquanto a graça é oferecida sobre a base convicta de que o homem é uma criatura
irremediavelmente perdida.