Ao abrimos este capítulo, vemos os fariseus
e escribas tentando limitar as ações dos discípulos, e depois também o poder de
graça do Senhor, dentro dos limites do sábado judaico, como eles estavam acostumados
a fazer cumprir. Isso ilustra Seu ensinamento no final do capítulo 5, e como resultado
o “odre” do sábado judaico explode, e
a graça flui apesar deles.
As palavras “no sábado segundo-primeiro” cremos que se refiram a Levítico 23:9-14,
e se destinem a nos mostrar que o “molho
das primícias” já havia sido oferecido e, portanto, não havia impedimento à
ação dos discípulos, exceto a estrita imposição do sábado pelos fariseus. A resposta
do Senhor à sua objeção foi dupla: primeiro, Sua posição; segundo, Sua Pessoa.
Sua posição foi análoga à de
Davi quando entrou na casa de Deus e comeu do pão da proposição. Davi era o rei
ungido de Deus e ainda rejeitado, e não era a mente de Deus que Seu ungido e seus
seguidores devessem morrer de fome a fim de manter pequenos detalhes técnicos da
lei. Todo o sistema de Israel estava fora de curso pela recusa do rei, e não havia
tempo para se concentrar nos detalhes menores da lei. Então aqui, os fariseus estavam
preocupados com trivialidades enquanto rejeitavam o Cristo.
O versículo 5 enfatiza a Sua Pessoa.
O homem, como originalmente criado, foi feito senhor da criação terrena. O Filho
do Homem é o Senhor sobre uma esfera muito mais ampla. Ele não estava preso ao sábado,
o sábado estava à Sua disposição. Quem então é este Filho do Homem? Isso era o que
os fariseus não sabiam, mas o Senhor indicou Sua grandeza por essa afirmação que
fez.
O incidente relativo ao homem com a
mão mirrada segue nos versículos 6-11. Aqui, novamente, surgiu a questão do sábado,
e os fariseus pressionaram suas objeções técnicas ao proibir o exercício da misericórdia
naquele dia. Aqui vemos não a afirmação da posição do Senhor, nem da Sua Pessoa,
mas do Seu poder. Ele tinha poder para curar em graça e aquele poder Ele
exerceu, quer tenham gostado ou não. Ele aceitou o desafio deles, e fazendo o homem
se levantar no meio, Ele o curou da maneira mais pública possível. Os príncipes
dos filisteus tentaram amarrar as mãos de Sansão com “sete vergas de vimes frescos”, mas tentaram em vão. Os príncipes de
Israel estavam tentando fazer cordas da lei do sábado, com o objetivo de amarrar
as mãos de graça de Jesus, e eles também tentaram em vão.
Não conseguindo fazê-lo, ficaram cheios
de raiva e começaram a planejar Sua morte. Em face de seu ódio crescente, Jesus
Se retirou para o isolamento da comunhão com Deus. No último capítulo, vemos Ele
Se retirando para a oração, quando multidões O apertavam e o sucesso parecia ser
d’Ele. Ele faz exatamente o mesmo quando negras nuvens de oposição parecem envolvê-Lo.
Em todas as circunstâncias, a oração era o recurso do Homem perfeito.
É significativo ainda que o que se seguiu
a esta noite de oração foi a escolha dos doze homens que deveriam ser enviados como
apóstolos. Entre os doze estava Judas Iscariotes, e porque ele deveria ter sido
incluído nos parece misterioso. O Senhor o escolheu, no entanto, e assim sua escolha
estava certa. Nenhum erro foi cometido depois daquela noite de oração.
Do versículo 17 até o final do capítulo,
recebemos um registro da instrução que Ele deu aos Seus discípulos e, especialmente,
a esses doze homens. Podemos dar um resumo geral de Suas declarações dizendo que
Ele os instruiu quanto ao caráter que seria produzido neles pela graça de Deus que
Ele estava dando a conhecer. O discurso se parece muito com o Sermão da Montanha
de Mateus 5-7, mas a ocasião parece ter sido diferente. Sem dúvida, o Senhor repetidamente
disse coisas muito semelhantes a multidões variadas de pessoas.
Nessa ocasião, o Senhor dirigiu-Se a
Seus discípulos pessoalmente. Em Mateus, Ele descreveu determinada classe e diz
que deles é o reino. Aqui Ele diz: “vosso
é o reino”, identificando aquela classe com os discípulos. Seus discípulos
eram os pobres, os famintos, os que choravam, os odiados e reprovados. Uma descrição
como essa mostra que ele já estava tratando Sua própria rejeição como uma certeza,
e os versículos seguintes (24-26) mostram que Ele estava dividindo o povo em duas
classes: havia aqueles que se identificaram com Ele mesmo, compartilhando Suas tristezas
e aqueles que eram do mundo e compartilhando as transitórias alegrias mundanas;
sobre a cabeça de uns Ele invocou uma bem-aventurança, sobre a cabeça dos
outros, um “ai”. Isto, claro, envolvia
uma tremenda contradição. O triste e rejeitado é o abençoado; o alegre e popular
está sob julgamento. Mas um segue os passos do Filho do Homem e sofre por causa
d’Ele: e outro segue no caminho dos falsos profetas.
Tendo assim pronunciado uma bênção sobre
Seus discípulos, Ele lhes dá instruções que, se colocadas em prática, significaria
que elas refletiriam Seu próprio espírito de graça. Ele na verdade não os envia
por enquanto, mas os instrui em vista de seu envio para representá-Lo e servir aos
Seus interesses. O espírito de graça é especialmente marcado nos versículos 27-38.
O amor que pode sair e até mesmo abraçar um inimigo não é humano, mas divino; enquanto
qualquer pecador pode amar aquele que o ama. O discípulo de Jesus deve ser um amante,
um abençoador, um doador; e, por outro lado, ele não deve ser aquele que julga e
condena. Isso não significa que um discípulo não tenha poderes de bom senso e discernimento,
mas significa que ele não deve ser caracterizado pelo espírito censurador que é
rápido em atribuir motivos errados e assim julgar outras pessoas.
Essas instruções foram exatamente adequadas
àqueles que foram chamados a seguir a Cristo durante Sua permanência na Terra. O
espírito deles aplica-se igualmente àqueles chamados a segui-Lo durante Sua ausência
da Terra. Este é o dia da graça, em que o evangelho da graça está sendo pregado,
e é, portanto, da maior importância que devamos ser marcados pelo espírito da graça.
Quantas vezes, infelizmente, nossa conduta desmentiu a causa com a qual estamos
identificados. Uma grande quantidade de pregação da graça pode ser totalmente anulada
por um pequeno comportamento indelicado por parte do pregador ou de seus amigos.
Pela manifestação do amor, provamos ser os verdadeiros filhos de Deus – o Deus que
é “benigno até para com os ingratos e maus”.
Não é tão fácil discernir a sequência
do ensinamento contida nos versículos 39-49, mas há uma sequência indubitavelmente.
Estes discípulos deveriam ser enviados como apóstolos em pouco tempo, então eles
precisam estar vendo a si mesmos como pessoas. Se eram para estar vendo,
deveriam ser ensinados; e para isso deveriam tomar o lugar humilde aos pés
de seu Mestre. Eles não estavam acima d’Ele: Ele estava acima deles, e o objetivo
colocado diante deles era ser como Ele. Ele era perfeição, e quando seu “curso universitário”
fosse concluído, eles seriam como Ele é.
Para que isso seja assim, um espírito
de julgamento próprio deve ser cultivado. Nossa tendência natural é julgar
os outros e perceber suas menores falhas. Se julgarmos a nós mesmos, podemos descobrir
algumas falhas muito substanciais. E a fé julgando-nos plenamente, poderá nos
habilitar, eventualmente, a ajudar outros.
Do versículo 43, a profissão externa
de discipulado é contemplada. Ao falar assim o Senhor pode ter tido alguém como
Judas especificamente em vista. Entre aqueles que tomaram a posição de serem seus
discípulos, pode ser encontrado tanto “um homem mau”, como “um homem bom”. Eles
devem ser discernidos por seus frutos, vistos tanto em palavras como em ações. A
natureza é revelada pelos frutos. Não podemos penetrar nos segredos da natureza,
nem em uma árvore, nem em um homem, mas podemos facilmente e corretamente deduzir
a natureza pelo fruto.
Isso leva à consideração de que a mera
profissão não tem qualquer valor. Os homens podem repetidamente chamar Jesus de
seu Senhor, mas se não houver obediência à Sua palavra, não há discipulado que Ele
reconheça. O tipo de fundamento que não pode ser abalado sob as provas é estabelecido
apenas pela obediência. O
simples ouvir de Sua palavra à parte da obediência pode erigir um edifício
que se pareça com a coisa real; mas se mostrará um desastre no dia da prova.
Vamos todos nos colocar sob o poder
perscrutador desta palavra. O verdadeiro crente precisa enfrentá-lo, e nenhum de
nós pode escapar disso. Isso se aplica a todo o círculo da verdade. Nada é real
e solidamente nosso até que o submetamos à obediência da fé – não apenas a concordância
da fé, mas a OBEDIÊNCIA da fé. Então, e somente então, nos tornaremos estabelecidos
nela, de tal maneira que estaremos com “os
alicerces sobre a rocha”.
Estas palavras de nosso Senhor revelam
para nós, sem dúvida, o segredo de muitos trágicos colapsos no que diz respeito
ao seu testemunho, por parte dos verdadeiros crentes; como também colapso e abandono
da profissão de discipulado por parte daqueles que a adotaram sem qualquer veracidade.
A veracidade
é aquilo que, acima de todas as coisas, o Senhor requer.