Novamente encontramos o Senhor em oração,
e isso despertou em Seus discípulos o desejo de ser ensinados a orar. Como ainda
não possuíam o Espírito como temos hoje e, portanto, orar “no Espírito Santo” (Jd 20), e a ajuda e intercessão do Espírito, da
qual Romanos 8:26-27, fala, não poderiam ser conhecidos por eles como podemos conhecer.
Nesse tempo, o Senhor era seu “Consolador”
e Guia exterior: nós temos “outro Consolador”,
que é interior. Em resposta, o Senhor deu-lhes a oração padrão e acrescentou uma
ilustração para reforçar a necessidade da importunação [desinibição – JND]. Já
que um homem vai se levantar à meia-noite diante da sincera solicitação de um amigo,
poderemos bem vir com confiança a Deus.
O Senhor instruiu Seus discípulos a
se dirigirem a Deus como Pai e as garantias que Ele deu no versículo 10 se encaixam
nisso, assim como as declarações dos versículos 11-13. O Pai no céu não deve ser
concebido como menos interessado e menos considerado do que um pai terreno. Ele
não dará o que é inútil ou prejudicial em resposta a pedidos de comida necessária.
Nem podemos acrescentar que Ele dará o que é inútil ou prejudicial se o desejarmos
e pedirmos. Muitas orações não respondidas são, sem dúvida, por esse motivo.
O homem em sua condição má sabe dar
boas dádivas a seus filhos; o Pai celestial dará àqueles que Lhe pedirem o maior
de todos os dons – o Espírito Santo. Aqui vemos o Senhor em Seu ensinamento conduzindo
os desenvolvimentos que estavam prestes a acontecer. O Espírito Santo não foi dado
até que Jesus foi glorificado, como sabemos em João 7:39; mas quando foi dado, Ele
encontrou um grupo de homens e mulheres que perseveravam em oração e súplicas, como
Atos 1:14 registra. Vivemos no dia em que o Espírito foi dado; e assim podemos nos
regozijar no fruto da Sua presença, bem como no poder da Palavra de Deus e da oração.
No parágrafo seguinte (v. 14-28) temos
a rejeição definitiva da graça manifestada, e do próprio Senhor que a exibiu; o
que leva o Senhor a desvendar o terrível resultado dessa rejeição e também a enfatizar
ainda mais a importância da obediência à Palavra.
Tendo sido expulso o demônio mudo, a
mudança no homem que havia sido sua vítima foi impressionante e inegável. Entretanto,
muitos do povo adotaram o plano de difamar o que não podiam negar. O comentário
sobre belzebu não é atribuído aos fariseus, como é em Mateus. Sem dúvida, eles instigaram,
mas as pessoas comuns os apoiaram nisso, como Lucas registra aqui. Outros, fechando
os olhos para os muitos sinais já dados, tiveram o descaramento de exigir um sinal
do céu. Em Sua resposta, Jesus mostrou primeiramente que sua acusação era totalmente
irracional: envolvia o absurdo de Satanás agindo contra si mesmo. Em segundo lugar,
Ele mostrou que, se fosse verdade, a acusação deles ricochetearia sobre a cabeça
de seus filhos, se não em suas próprias cabeças.
Mas em terceiro lugar, e o mais importante
de tudo, Ele deu a verdadeira explicação do que estava fazendo. Ele chegou à cena
mais forte do que Satanás. Antes de Sua vinda, Satanás havia mantido seus cativos
em inabalável segurança. Agora o mais Forte estava liberando esses cativos. Sua
vinda apresentou um teste para todos: eles estavam com Ele ou contra Ele. Não estar
com Ele era o mesmo que estar contra Ele, pois não poderia haver neutralidade. Os
homens podem parecer estar ajuntando, mas se não for com Ele, isso seria
apenas uma dispersão. Este é um ponto que fazemos bem em notar. Há uma grande necessidade
hoje de reunir os homens em todos os tipos de associações e grupos; mas se não for
com Cristo, de forma central e dominante, é um processo de dispersão e, finalmente,
se manifestará como tal.
Os versículos 24-26 são evidentemente
proféticos. Naquele momento, o espírito imundo de sua antiga idolatria havia saído
de Israel, mas, embora estivessem “varridos
e adornados” de maneira exterior, estavam empenhados em recusar o Enviado de
Deus para ocupar a casa. Como resultado, o velho espírito impuro voltaria com os
outros piores do que ele e, assim, seu estado seria pior do que o inicial. Essa
palavra de Jesus será cumprida quando o Israel incrédulo receber o anticristo nos
últimos dias.
No entanto, nem todos estavam recusando-O.
Uma mulher da multidão percebeu algo de Sua excelência e pronunciou Sua mãe ser
abençoada. Isso Ele não negou, pois a primeira palavra de Sua resposta foi “antes”, indicando assim algo ainda mais
abençoado. A mais verdadeira bênção para nós está no recebimento e guarda da Palavra
de Deus. O elo espiritual formado pela Palavra é mais íntimo e duradouro do que
qualquer elo formado na carne. O Senhor estava conduzindo os pensamentos de Seus
discípulos a essas verdades espirituais, e o ouvir a Palavra era essa parte boa,
como acabamos de ver no caso de Maria.
O Senhor passou a falar da insensibilidade
que caracterizava o povo de Seus dias. Eles estavam pedindo um sinal como se nenhum
sinal tivesse sido dado a eles. Apenas um sinal permaneceu para eles, o que Ele
fala como “o sinal do profeta Jonas”.
Jonas pregou para os ninivitas, mas ele também era um sinal para eles, visto que
apareceu entre eles como alguém que surgiu do que parecia ser morte certa. O Filho
do Homem estava prestes a entrar na morte e ressuscitar, e esse foi o maior de todos
os sinais: além disso, Ele estava mostrando entre eles sabedoria muito maior do
que a de Salomão e Sua pregação foi muito além da de Jonas. Por que as pessoas não
foram comovidas?
Não foi porque não havia luz brilhando.
Os homens não acendem uma candeia para escondê-la, como diz o versículo 33. O Senhor
havia chegado ao mundo como a grande Luz e Seus raios estavam brilhando sobre os
homens. O que estava errado não era com a luz, mas com os olhos dos homens. Isso
é enfatizado nos versículos 34-36. O Sol é a luz de nossos corpos objetivamente:
mas nossos olhos são luz para nós subjetivamente. Se o Sol se apagasse, haveria
escuridão universal, mas se meu olho se apagasse, haveria escuridão absoluta para
mim apenas. Se minha faculdade de ver espiritualmente é má, minha mente está cheia
de trevas: se ela é simples, tudo é luz. Em outras palavras, o estado daquele sobre
quem a luz brilha é de grande importância. O estado do povo estava errado, daí sua
insensibilidade à luz que brilhava em Cristo.
Mas, se as pessoas não recebessem a
luz para a bênção delas, o Senhor pelo
menos estaria apontando o holotote da verdade sobre o estado delas. Ele começou
com os fariseus, e o resto do capítulo nos dá a Sua acusação sobre eles. O fariseu
que O convidou era fiel ao tipo que representava; um crítico e obcecado com detalhes
cerimoniais. A hora chegou para o crítico ser criticado e exposto. Nada poderia
ser mais incisivo do que as palavras do Senhor. Ao lê-las, podemos ter uma ideia
de como os homens serão examinados no dia do julgamento.
A hipocrisia deles é o ponto dos versículos 39-41.
Limpeza ostensiva onde os olhos dos homens alcançam, e imundície onde eles não enxergam.
E, além disso, o ódio egoísta estava sob a aparente piedade deles. Estavam
cheios de “rapina” ou “saque”. A palavra
“dai”, no versículo 41, está em contraste
com isso. Se eles se tornassem doadores, ao invés de saqueadores das outras pessoas,
todas as coisas seriam limpas para eles, tanto por dentro quanto por fora. Uma mudança
tão radical como essa implicaria uma verdadeira conversão.
O versículo 42 indica o seu julgamento
pervertido. Eles se especializaram em coisas que não eram nem importantes nem
caras e ignoravam as coisas da maior importância. O versículo 43 mostra que o amor
à notoriedade e a bajulação dos homens os consumiam. Por isso, tornaram-se insuspeitados
centros de contaminação para os outros, como o versículo 44 indica. Eles
prejudicavam aos outros, assim como a si mesmos. Uma acusação terrível, de fato,
mas que, infelizmente, se aplica em medidas variadas em todos os momentos àqueles
que são promotores de uma religião meramente exterior e cerimonial.
Nesse ponto, um dos doutores da lei
protestou que essas palavras também eram um insulto a ele próprio. Isso apenas levou
a que a acusação fosse pressionada mais de perto contra ele mesmo. Esses mestres
da lei ocupavam-se em colocar cargas sobre os outros. Eles legislavam para os outros
e friamente ignoravam a lei para si mesmos. Além disso, eles foram marcados
por rejeitarem a Palavra de Deus e dos profetas que a trouxeram, embora depois que
os profetas foram mortos, eles os honraram com a construção de seus túmulos, esperando
obter o prestígio de seus nomes agora que suas palavras não eram mais provadas por
eles. Que artifício astuto esse! Mas não desconhecido mesmo em nossos dias. É fácil
elogiar abertamente, um século depois de sua morte, um homem que foi ferozmente
combatido durante sua vida de testemunho. As palavras do Senhor implicam que o que
seus pais haviam feito seria feito novamente pelos filhos. A geração a quem Ele
falava não era culpada apenas do sangue dos profetas anteriores, mas do próprio
Filho de Deus.
Finalmente, no versículo 52, encontramos
que, assim como os fariseus contaminavam outras pessoas (v. 44), os doutores da
lei tiraram a chave do conhecimento, e faziam a obra de Satanás de impedir que outros
entrassem no verdadeiro conhecimento de Deus. Eles mataram os profetas, e
bloquearam o caminho da vida.
O Senhor evidentemente proferiu estas
tremendas denúncias com calma de espírito. O melhor dos homens teria falado de forma
diferente. Por isso, vem a nós a determinação: “irai-vos e não pequeis” (Ef 4:26). Facilmente pecamos por estarmos
irados contra o pecado. Ele não precisava de tal comando. Seus oponentes pensaram
que tinham apenas que provocá-Lo ainda mais e Ele iria facilmente sucumbir. Ele
não fez tal coisa como previram, como mostra o próximo capítulo.