Os versículos finais de Lucas 23, e
a parte inicial deste capítulo deixa bem claro que nenhum de Seus discípulos antecipou
de alguma forma Sua ressurreição. Isso torna o testemunho mais pronunciado e satisfatório.
Eles não eram entusiastas e visionários, inclinados a crer em qualquer coisa, mas
sim de mente materialista e desanimada, inclinados a duvidar de tudo.
As mulheres são trazidas diante de nós
em primeiro lugar. Elas não tinham pensamentos além daqueles adequados a um funeral
comum. Suas mentes estavam ocupadas com o sepulcro, Seu corpo e as especiarias e
unguentos que eram habituais. O sábado judaico, no entanto, interveio e pôs um fim
às suas atividades – isto era de Deus, pois suas atividades eram totalmente desnecessárias,
e quando poderiam tê-las retomado, o corpo sagrado não seria encontrado. Em vez
do corpo morto, encontraram dois homens em vestes resplandecentes e ouviram de seus
lábios que o Senhor agora era “o Vivente”
e que não estava entre os mortos. Assim, o primeiro testemunho de Sua ressurreição
veio dos lábios dos anjos. Um segundo testemunho foi encontrado nas palavras que
Ele mesmo havia falado durante a Sua vida. Ele previu Sua morte e Sua ressurreição.
Quando foram lembradas de Suas palavras, se recordaram delas.
As mulheres voltaram e contaram todas
essas coisas aos onze; isto é, elas apresentaram-lhes a evidência dos anjos, e das
próprias palavras do Senhor, e de seus próprios olhos, quanto ao corpo não estar
no sepulcro; mas eles não creram. O cético moderno pode chamar essas coisas de “delírio” (ARA); bem, foi assim que essas
coisas aparentavam ser para os discípulos. Pedro, no entanto, com sua impulsividade
usual, deu um passo adiante. Ele correu para o sepulcro para ver por si mesmo, e
o que viu até então confirmava as palavras delas. No entanto, em sua mente, milagre
ao invés de fé, era o que entusiasmava.
Em seguida, somos levados para a tarde
do dia da ressurreição, e Lucas nos dá na plenitude o que aconteceu com os dois
que estavam indo para uma aldeia, a que Marcos alude nos versículos 12 e 13 de seu
último capítulo. O incidente nos dá uma visão muito impressionante sobre o estado
de espírito que os caracterizou – e, sem dúvida, eles eram figura do resto.
Cléofas e seus companheiros claramente
tinham acabado de se afastar de Jerusalém, se dirigindo para a antiga casa, totalmente
desapontados e abatidos. Eles haviam nutrido expectativas muito fervorosas, centradas
no Messias, e criam que O haviam encontrado em Jesus. Para eles, Jesus Nazareno
foi “Varão profeta poderoso em obras e palavras
diante de Deus e de todo o povo”; e nesse ponto evidentemente a fé deles parou.
Eles ainda não percebiam n’Ele o Filho de Deus que não podia ser retido pela morte,
e assim para eles Sua morte foi o triste fim de Sua história. Eles pensaram que
“fosse Ele o que remisse Israel”, mas
então, para eles, significava redimi-los pelo poder de todos os seus inimigos nacionais,
em vez de redimi-los a Deus pelo Seu sangue. Sua morte destruiu suas esperanças
de redenção pelo poder e pela glória. Essa decepção foi o fruto de terem nutrido
expectativas que não eram garantidas pela Palavra de Deus. Eles esperavam a glória
sem os sofrimentos.
Não poucos crentes podem ser encontrados
hoje que se afastaram para o mundo de maneira bastante semelhante. Eles também se
afastaram porque ficaram desapontados, e estão desapontados por causa que
abraçaram expectativas sem garantias. As expectativas podem ter sido centradas no
trabalho Cristão e nas conquistas do evangelho, ou em algum grupo particular ou
corpo de crentes com os quais eles estavam ligados, ou talvez em si mesmos e em
sua própria santidade e poder pessoal. No entanto, as coisas não aconteceram como
esperavam, e estão nas profundezas do desânimo.
Este caso de Cléofas ajudará no diagnóstico
dos problemas deles. Em primeiro lugar, como ele, eles têm um pouco de “Israel”, que absorve seus pensamentos.
Se Israel tivesse sido redimido, como Cléofas esperava, ele estaria no sétimo céu
de deleite. Como não tinha sido assim, ele perdera seu entusiasmo e interesse. Ele
teve que aprender que, embora Israel estivesse bem no centro da pequena brilhante
cena que sua fantasia havia concebido, não estava no centro da cena de Deus. A
cena de Deus é a verdadeira, e seu centro é Cristo ressuscitado dos mortos.
Quando Jesus Se juntou a eles, atraiu seus pensamentos e conquistou sua confiança,
Ele Se abriu para eles, não para as coisas concernentes a Israel, mas para “o que a Seu respeito constava em todas as
Escrituras”. Uma cura infalível para o desapontamento é ter Cristo preenchendo
todas as cenas que nossa mente abriga – não a obra, nem mesmo a obra Cristã, nem
irmãos, nem mesmo a assembleia, nem o eu em nenhuma de suas muitas formas, mas
Cristo.
Mas havia uma segunda coisa. É verdade
que essas esperanças não garantidas de Cléofas, que levaram à sua decepção, resultaram
de pensar muito em Israel e pouco em Cristo; contudo, essa ênfase errada foi o resultado
de sua leitura parcial das Escrituras do Velho Testamento. O versículo 25
mostra que a insensatez e a lentidão de seus corações os haviam levado a negligenciar
algumas partes das Escrituras. Eles criam em algumas coisas que os profetas
haviam falado – aquelas coisas bonitas, simples, fáceis de serem entendidas quanto
à glória do Messias – enquanto colocavam de lado e passavam por cima das previsões
de Seus sofrimentos, que sem dúvida pareciam ser para eles misteriosas, peculiares
e difíceis de entender. As exatas coisas que haviam evitado eram precisamente o
que os livraria da dolorosa experiência pela qual passavam.
Ao falar com eles, três vezes o Senhor
enfatizou a importância de toda
a Escritura – veja os versículos 25 e 27. Ele então tratou com eles a ponto
de fazê-los ver que Sua morte e ressurreição foram a base indicada de toda a glória
que ainda está por vir. “Não convinha
que o Cristo padecesse essas... ?”
Sim, na verdade convinha! E assim como convinha, Ele assim o fez!
Que caminhada deve ter sido essa! No
final dela, eles não puderam suportar a ideia de uma separação deste inesperado
“Estranho”, e O constrangeram a que permanecesse com eles. Entrando para ficar com
eles, Ele necessariamente tomou o lugar que é intrinsecamente Seu. Ele deve ser
o Anfitrião, e Líder e também o Abençoador; e então seus olhos foram abertos e eles
O reconheceram. Que gozo para seus corações quando de repente eles discerniram seu
Senhor ressuscitado!
Mas por que Ele Se afastou da vista
deles assim que O reconheceram? Pela mesma razão, sem dúvida, como Ele havia dito
no mesmo dia a Maria para não tocá-Lo (ver João 20:17). Ele desejava mostrar desde
o início que Ele havia entrado em novas condições pela ressurreição e que, consequentemente,
suas relações com Ele deveriam estar em uma nova base. O breve vislumbre
que tiveram d’Ele, porém, juntamente com o Seu desdobramento de todas as Escrituras
proféticas, havia feito o seu trabalho. Eles foram completamente revolucionados.
Uma nova luz havia surgido; novas esperanças haviam surgido em seus corações; o
desconsolado afastamento terminara. Embora a noite tivesse caído, eles voltaram
a Jerusalém para buscar a comunhão com seus companheiros discípulos. Aflitos de
coração, eles tinham procurado solidão: fé e esperança sendo revividas, a companhia
dos santos era o deleite deles. É sempre assim com todos nós.
De volta eles vieram contar suas grandes
notícias aos onze, mas ao chegaram eles é que foram informados. Os onze sabiam que
o Senhor ressuscitara, pois também aparecera a Pedro. As provas de Sua ressurreição
estavam rapidamente se acumulando. Eles agora tinham não apenas o testemunho dos
anjos, e a lembrança de Suas próprias palavras, e o relato dado pelas mulheres,
mas também o testemunho de Simão, quase instantaneamente corroborado pelo testemunho
dos dois retornados de Emaús. E o melhor de tudo, enquanto os dois estavam contando
sua história, no meio deles, com palavras de paz em Seus lábios, Se apresentou o
mesmo Jesus.
No entanto, mesmo assim, eles não estavam
totalmente convencidos. Havia n’Ele, em Sua nova condição ressuscitada, algo incomum
que ultrapassava o entendimento deles. Eles estavam atemorizados, achando que viram
algum espírito. A verdade é que eles viram seu Salvador em um corpo espiritual,
conforme fala em 1 Coríntios 15:44. Ele passou a demonstrar este fato a eles de
maneira muito convincente. O Seu corpo era de “carne e ossos”. Embora as condições fossem novas, deveria ser identificado
com o corpo de “carne e sangue”, no qual
Ele havia sofrido, pois as marcas do sofrimento estavam ali em ambas as mãos e pés.
E enquanto a verdade estava lentamente surgindo em suas mentes, Ele a tornou ainda
mais evidente ao comer diante deles, para que pudessem ver que Ele não era meramente
“um espírito”. Assim, a realidade de
Sua ressurreição foi totalmente certificada, e o verdadeiro caráter de Seu corpo
ressuscitado se manifestou.
Então começou a instruí-los, e em primeiro
lugar enfatizou lhes o que já havia enfatizado com ênfase tripla para os dois em
Emaús, que TODAS as coisas escritas a respeito d’Ele nas Escrituras tinham que ser
cumpridas, como de fato Ele lhes havia dito antes de Sua morte. Eles deveriam entender
que tudo o que aconteceu havia acontecido de acordo com as Escrituras, e não era
de forma alguma uma contradição do que havia sido escrito. Então, em segundo lugar,
Ele abriu seus entendimentos para que pudessem realmente absorver tudo o que lhes
havia sido aberto nas Escrituras. Isto, pensamos, deve ser identificado com aquele
sopro de Sua vida ressuscitada, que está registrado em João 20:22. Esta nova vida
no poder do Espírito trouxe consigo um novo entendimento.
Então, em terceiro lugar, Ele indicou
que, tendo esse novo entendimento, e sendo “testemunhas
dessas coisas” (ARA), uma nova comissão lhes seria confiada. Eles não mais deveriam
falar de lei, mas que “em Seu nome
pregasse o arrependimento e remissão dos pecados”. A graça deveria ser seu tema
– o perdão dos pecados por meio do Nome e da virtude de Outro – e a única necessidade
por parte do homem é o arrependimento – essa honestidade de coração que leva o homem
a assumir seu verdadeiro lugar como pecador diante de Deus. Esta pregação da graça
deve ser “em todas as nações”, e não
confinada apenas aos judeus, como foi a lei. No entanto, deveria começar em Jerusalém,
pois naquela cidade a iniquidade do homem havia atingido seu clímax na crucificação
do Salvador; e onde o pecado havia abundado, ali a superabundância da graça era
para ser manifestada.
A base, sobre a qual repousa esta comissão
de graça, é vista no versículo 46 – a morte e ressurreição de Cristo. Tudo o que
acabara de acontecer, que parecera tão estranho e uma pedra de tropeço para os discípulos,
era o estabelecimento do fundamento necessário, sobre o qual a superestrutura da
graça deveria ser erigida. E tudo estava de acordo com as Escrituras, como Ele enfatizou
novamente, dizendo: “Assim está escrito”.
A Palavra de Deus comunicou uma autoridade divina a tudo o que havia acontecido
e à mensagem da graça que eles deveriam proclamar.
Assim, nos versículos 46 e 47, temos
o Senhor inaugurando o presente evangelho da graça, e nos dando sua autoridade,
sua base, seus termos, o alcance que ele abrange e as profundezas
do pecado e necessidade às quais ele desce.
O versículo 49 nos dá uma quarta coisa,
e de modo algum de menor importância – o dom vindouro do Espírito Santo, como o
poder de tudo o que é contemplado. As Escrituras foram abertas, seus entendimentos
também foram abertos, a nova comissão da graça havia sido claramente dada; mas todos
deveriam esperar até que possuíssem o único poder no qual eles poderiam agir, ou
usar corretamente o que agora eles sabiam. Lucas encerra o seu evangelho, deixando
tudo, se assim podemos dizer, como um fogo bem preparado, esperando que o fósforo
seja riscado, o que produzirá uma chama vívida. Ele inicia sua sequência, os Atos,
mostrando-nos como a vinda do Espírito riscou o fósforo e acendeu o fogo com resultados
maravilhosos.
Acabamos de ver como este evangelho
termina com o lançamento do evangelho da graça, que está em flagrante contraste
com a maneira pela qual, em seus versículos iniciais, traz diante de nós o serviço
do templo em funcionamento, de acordo com a lei de Moisés. Os quatro versículos
que encerram este evangelho também nos apresentam um contraste marcante, pois o
primeiro capítulo nos dá uma imagem de pessoas piedosas com esperanças terrenas,
esperando pelo Messias que visitaria e redimiria Seu povo. Ele nos mostra um sacerdote
temente a Deus, envolvido em seus deveres do templo, mas que possuía apenas uma
pequena fé, de modo que ele foi atingido pela mudez. Não crendo, ele não
podia falar: ele não sabia de nada que valesse a pena falar, em todos os eventos
do momento. Os versículos 50-53 mostram-nos o ressurreto Salvador subindo para exercer
Seu serviço como Sumo Sacerdote nos céus e deixando para trás uma companhia
de pessoas cujos corações foram transportados da Terra para o céu e cujas bocas
estão abertas em louvor.
Betânia era o local de onde Ele subiu;
o lugar onde, mais do que qualquer outro, Ele fora apreciado. Ele subiu no próprio
ato de abençoar Seus discípulos. Quando nos lembramos do que eles provaram ser,
isso é realmente tocante. Seis semanas antes, todos O abandonaram e fugiram. Um
deles O negou com juramentos e maldições, e a todos eles Ele poderia ter dito o
que disse aos dois no caminho de Emaús: “Ó
néscios, e tardos de coração para crer”. Contudo, sobre esses discípulos tolos,
infiéis e covardes, Ele ergueu Suas mãos em bênção. E sobre nós também, embora muito
semelhantes a esses homens, apesar de vivermos no dia em que o Espírito é dado,
Sua bênção ainda desce.
Ele os abençoou e eles O adoraram. Eles
retornaram ao local que Ele designou para eles até que o Espírito viesse, e no templo
eles estavam continuamente ocupados no louvor de Deus. Zacarias tinha ficado
mudo; nenhuma bendição poderia sair de seus lábios, seja para Deus ou para o homem.
Jesus subiu ao alto para assumir o Seu ofício sacerdotal na plenitude da bênção
para o Seu povo; e Ele deixou para trás aqueles que provaram ser o núcleo da nova
raça sacerdotal, e eles já estavam bendizendo a Deus e adorando-O.
Este evangelho realmente nos levou da
lei para a graça e da Terra para o céu.