Estas parábolas foram ditas aos fariseus,
mas a que inicia este capítulo foi falada aos discípulos. Eles foram instruídos
por ela quanto à posição em que os homens se encontram diante de Deus, e o comportamento
que lhes convém nessa posição. Somos mordomos e fomos infiéis em nossa mordomia.
O mordomo foi acusado por seu mestre de ter “dissipado (desperdiçado) seus
bens”. Essa frase nos dá uma ligação com a parábola anterior, pois o filho mais
novo “desperdiçou a sua fazenda, vivendo
dissolutamente”. Tudo o que possuímos chegou até nós da mão de Deus, de modo
que, se esbanjarmos sobre nós mesmos aquilo que podemos ter, estamos realmente desperdiçando
os bens do nosso Senhor.
O mordomo infiel encontrou-se sob aviso
para deixar seu ofício, após o que resolveu que usaria certas oportunidades, ainda
ao seu alcance no presente, com vistas à sua vantagem no futuro. O versículo 8 é
o fim da parábola. O mordomo era injusto – o Senhor claramente o chama assim – mas
seu senhor não podia deixar de elogiar a desonesta sabedoria com a qual ele agira,
apesar de ser em seu próprio detrimento. Em questões de astúcia mundana, os filhos
desse mundo excedem os filhos de Deus.
Os versículos 9-13 são a aplicação da
parábola para todos nós. Posses terrenas, dinheiro e coisas semelhantes, são “as riquezas da injustiça”, porque são as
coisas pelas quais a injustiça do homem é principalmente mostrada, embora em si
mesmas não sejam propriamente injustas. Devemos usar as riquezas de modo a estabelecer
“um bom fundamento para o futuro” (ver
1 Tm 6:17-19), ou como o nosso versículo diz, “quando elas falharem (acabarem), vós possais ser recebidos nos tabernáculos eternos” (JND).
Portanto o versículo 9 mostra que devemos
agir de acordo com o princípio tão sabiamente adotado pelo mordomo; O versículo
10 mostra que devemos nos diferenciar totalmente dele nisso; o que ele fez em infidelidade
devemos fazer em toda boa fidelidade. As “riquezas
da injustiça”, que os homens lutam para obter com tanta seriedade e com
frequência com tanta desonestidade, é, afinal, “o pouco” (ARA). Não são propriamente nossas, mas de “outro homem” (KJV), na medida em que “a Terra é do Senhor e toda a sua plenitude”.
Mas há “as verdadeiras” riquezas, que
o Senhor fala como “o que é vosso”. Se
realmente percebermos que nossas próprias coisas são aquelas que temos em Cristo,
usaremos tudo o que temos nesta vida – dinheiro, tempo, oportunidades, poderes mentais
– com vistas aos interesses de nosso Mestre. Em todas as ocasiões, não podemos servir
dois mestres. Deus ou Mamom (as riquezas) nos dominará. Vamos fazer com que Deus
nos domine.
Embora tudo isso tenha sido dito aos
discípulos, havia fariseus ouvindo e eles zombavam d’Ele abertamente. Para suas
mentes ambiciosas, esse ensino era absurdo. Eles eram ótimos defensores da lei,
e a lei nunca havia estipulado coisas como essas. A resposta do Senhor para eles
foi dupla. Primeiro, todos eles viviam por aquilo que era exterior diante dos olhos
dos homens, meramente preocupando-se com o que os homens estimavam. Eles ignoraram
o Deus que está preocupado com o estado dos corações dos homens, e cujos pensamentos
são totalmente opostos aos dos homens. Em última análise, os pensamentos de Deus
serão estabelecidos e os pensamentos dos homens serão derrubados.
Segundo, a lei em que eles se gloriavam
estava sendo suplantada pelo reino de Deus. A lei havia estipulado as coisas necessárias
para a vida do homem na Terra, e os profetas previram o reino vindouro de Deus na
Terra. O tempo do reino mundial visível, ainda não era chegado, mesmo assim estava
sendo introduzido em outra forma pela pregação, e já nesta forma espiritual os homens
estavam começando a ser pressionados a ele. Os fariseus eram cegos para tudo isso
e estavam ficando do lado de fora. Mas, embora a lei estivesse sendo suplantada
dessa maneira, nenhum “til” dela iria
cair. Em seu próprio domínio, a lei permanece em toda a sua majestade. O
mandamento é “santo, justo e bom”, e
suas ordenanças morais ainda permanecem. A ordenança particular que o Senhor enfatizou
no versículo 18, foi sem dúvida uma tremenda investida contra os fariseus, que eram
muito negligentes em tais assuntos, enquanto grandemente ocupados com seus dízimos
de hortelã, endro e cominho.
Este golpe dirigido foi seguido pela
tremenda parábola dos versículos 19-31, se de fato é uma parábola. O Senhor usa
algumas expressões figurativas, como “o seio
de Abraão”, mas Ele relata tudo como fato. Os versículos 19-22 relatam fatos
muito comuns desta vida que terminam em morte e sepultamento, e aí a cortina cai
para nós. Quando chegamos ao versículo 23, o Senhor levanta a cortina e traz à nossa
visão as coisas que estão além.
O homem rico agiu precisamente no princípio
oposto ao mordomo no início do capítulo. Tudo o que tinha, ele usou para o gozo
egoísta e presente, e deixou o futuro cuidar de si mesmo. Não é contra as
riquezas que o Senhor está protestando, mas contra o uso egoísta que o homem fazia
das riquezas sem Deus. O homem rico se dava todo para o presente, tudo para este
mundo; O reino de Deus não era nada para ele.
A palavra que Jesus usou para “inferno” (ARA) aqui é hades; não
é o lago de fogo, mas o mundo invisível dos que partiram. Ele, portanto, nos mostra
que mesmo isso, para os não
salvos, é um lugar de tormento. Quatro vezes Ele afirma que hades é um lugar de tormento.
Ele também mostra que uma vez que a
alma entra no hades nenhuma mudança é possível. O “grande abismo” “está posto”.
Nenhuma transferência do tormento para a bem-aventurança é possível. Nenhuma “salvação
universal” aparece aqui.
O homem rico tornou-se bastante evangelista
no hades. Ele desejava que seus irmãos tivessem uma visitação sobrenatural para
impedi-los de chegar àquele lugar horrível. O Senhor nos mostra que nenhum evento
sobrenatural, se fosse possível, impediria as pessoas, se elas não fossem impedidas
pela Palavra de Deus.
Hoje Deus está apelando aos homens pelo
Novo Testamento, assim como por Moisés e os profetas, e no Novo Testamento está
o registro daqu’Ele que ressuscitou dos mortos. Se os homens rejeitarem a Bíblia,
que é a plena Palavra de Deus para hoje, nada os persuadirá, e eles alcançarão o
lugar do tormento.
Oh, que uma convicção dada por Deus
disso possa nos possuir! Então, com o “amor
de Deus, nosso Salvador, para com os homens” (Tt 3:4 – ARF) também possuindo
nosso coração, deveríamos estar cheios de zelo pelas almas dos homens. Deveríamos
nos assemelhar mais a Joseph Alleine, um dos devotados homens excluídos de seus
benefícios eclesiásticos sob o “Ato de Uniformidade”[1],
de quem se dizia ter “insaciável anseio pela conversão de preciosas almas!” E devemos
ter o zelo pelas almas dos homens, enquanto ainda é o tempo aceitável e o dia da
salvação.
[1] N. do T.: O “Ato de Uniformidade” de 1662, obrigou o
uso do Livro de Oração Comum e exigia a ordenação episcopal dos clérigos. Cerca
de 2.000 ministros puritanos se viram forçados a deixar a Igreja da Inglaterra.